Inovação na previsão da resistência à insulina em crianças

O aumento da prevalência da obesidade infantil não é apenas um problema de saúde pública, mas também um precursor de complicações metabólicas graves, como a resistência à insulina. Um estudo recente, publicado na ScienceDirect, propõe uma abordagem inovadora para a detecção precoce da resistência à insulina em crianças, utilizando inteligência artificial explicável e dados multi-ômicos. Esta abordagem não só melhora a precisão do diagnóstico, como também oferece uma janela para intervir antes de a resistência à insulina se tornar irreversível durante a puberdade.

A prevalência da obesidade

A Federação Mundial da Obesidade adverte que, se as tendências atuais se mantiverem, mais de 50% da população mundial poderá ter excesso de peso ou ser obesa até 2035. Esta situação é particularmente alarmante nas crianças e nos adolescentes, uma vez que as suas taxas de obesidade estão a aumentar mais rapidamente do que nos adultos. Estima-se que, em 2035, haverá 1,5 mil milhões de adultos e quase 400 milhões de crianças com obesidade em todo o mundo. Para além dos efeitos negativos para a saúde, estima-se que o tratamento das doenças relacionadas com a obesidade possa custar 4 biliões de dólares por ano, quase 3% do PIB mundial.

A obesidade aumenta o risco de morte prematura, especialmente se começar na infância, devido a problemas relacionados com doenças cardiovasculares, diabetes tipo II e síndroma metabólica. A resistência à insulina, uma condição em que as células se tornam menos reactivas à insulina, é uma das primeiras complicações metabólicas da obesidade, ligando a acumulação de gordura a outros problemas cardiometabólicos. Esta resistência pode surgir logo aos 10 anos de idade e agravar-se durante a puberdade, uma fase crítica para a saúde futura.

O papel da IA na deteção precoce da resistência à insulina

É essencial identificar as crianças que são propensas a desenvolver resistência à insulina e problemas cardiometabólicos na idade adulta. A intervenção nutricional e um estilo de vida saudável podem ser medidas eficazes para melhorar os cuidados preventivos. No entanto, nem todas as crianças com obesidade apresentam sintomas de resistência à insulina, uma vez que mantêm um metabolismo saudável. Consequentemente, existe uma necessidade urgente de encontrar novos biomarcadores que possam ser incorporados em sistemas preditivos e que permitam aos pediatras diagnosticar com precisão o desenvolvimento da resistência à insulina numa fase precoce.

A inteligência artificial e a aprendizagem automática têm sido utilizadas para resolver este problema, mas a falta de explicações claras para estes modelos limita a sua aceitação pelos pediatras. Por conseguinte, o estudo intitulado «Multiomics and eXplainable artificial intelligence for decision support in insulin resistance early diagnosis: A pediatric population-based longitudinal study» propõe uma abordagem baseada na Inteligência Artificial Explicável (XAI) para melhorar a transparência dos resultados que, dada a sua natureza auto-explicativa, visa fornecer informações compreensíveis sobre a forma como um sistema complexo faz as suas previsões.

Metodologia do estudo

O estudo centrou-se no desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão para o diagnóstico precoce da resistência à insulina numa coorte longitudinal de 90 crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos com obesidade. Este sistema analisou dados multiómicos, incluindo informação genómica e epigenómica, combinados com dados clínicos recolhidos na fase pré-púbere. A integração destes dados permitiu analisar fatores de natureza diversa que influenciam o desenvolvimento da resistência à insulina. Além disso, foram utilizados métodos avançados, como o SHapley Additive exPlanations (SHAP), para explicar como cada dado influencia as previsões.

Resultados relevantes

Esta abordagem inovadora demonstrou que a combinação de dados epigenéticos e clínicos é fundamental para prever doenças metabólicas como a resistência à insulina em crianças. A integração dos vários tipos de dados melhorou significativamente o poder de previsão, para além da sua utilização individual. A análise mostrou que os dados clínicos, incluindo medidas como o índice de massa corporal (IMC), os níveis de adipocinas (leptina e adiponectina) e parâmetros bioquímicos como o colesterol HDL e o ferro, são os mais úteis para prever o risco metabólico. Estes dados fornecem uma visão em tempo real do estado metabólico das crianças. Por outro lado, os dados epigenéticos (Epi), que reflectem alterações moleculares influenciadas pelo estilo de vida e pelo ambiente, também fornecem informações valiosas, embora em menor grau, possivelmente porque as variantes genéticas têm um pequeno impacto cumulativo e requerem transformações adicionais para serem úteis.

Como foi detectada a resistência à insulina?

O sistema identificou que determinadas alterações no ADN, especialmente nos genes HDAC4 e PTPRN2, são importantes para prever este risco. Estas alterações do ADN, designadas por metilação, podem indicar se uma criança pode desenvolver resistência à insulina no futuro, mesmo antes de apresentar outros sintomas.

O HDAC4 é um gene que ajuda a controlar a forma como outros genes são expressos no corpo, especialmente em áreas como a gordura e o pâncreas. Observou-se que o exercício físico e certas cirurgias podem alterar a metilação do HDAC4, que está associada à perda de peso e aos níveis de açúcar no sangue. O PTPRN2, por outro lado, está ligado à diabetes e ao sistema imunitário.

O sistema utiliza ainda outros indicadores, como o rácio de duas hormonas (leptina e adiponectina) e os níveis de ferro e de colesterol bom (HDL) no sangue, para fazer as suas previsões. Estes fatores ajudam a compreender o estado de saúde metabólica de uma criança. Em suma, o sistema combina informações de muitos pequenos fatores para prever o risco de resistência à insulina. Isto significa que não olha apenas para um aspeto, mas considera vários elementos em conjunto para fazer uma previsão mais exacta.

Conclusões e investigação futura

O estudo realça a importância de integrar dados multiómicos e de seguir abordagens de inteligência artificial explicáveis para criar sistemas de apoio clínico que ajudem a prevenir a resistência à insulina em crianças. Embora o sistema tenha revelado um elevado poder de previsão, enfrenta limitações como a dimensão da amostra e o custo das caraterísticas ômicas. É necessária a validação em populações independentes e o desenvolvimento de tecnologia mais acessível para implementação clínica.

A investigação futura deve explorar as exposições responsáveis pelos padrões de metilação e avaliar as assinaturas transcriptômicas, proteômicas ou metabolômicas. A abordagem XAI tem o potencial de melhorar a compreensão da fisiopatologia das doenças e pode integrar plataformas ómicas na prática clínica, aproximando a medicina de uma abordagem mais precisa e personalizada.

Continue a sua formação profissional

Você é apaixonado por melhorar a saúde das comunidades e enfrentar os desafios da saúde pública com soluções inovadoras? O Mestrado em Saúde Pública da FUNIBER é a sua porta de entrada para um mundo de oportunidades profissionais e acadêmicas. Este mestrado prepara-o para abordar os problemas de saúde a partir de uma perspetiva global e tecnológica.

Não perca a oportunidade de se tornar um especialista em saúde pública e contribuir para um futuro mais saudável. Inscreva-se neste mestrado e comece hoje a fazer a diferença.

Fonte:  Multiomics and eXplainable artificial intelligence for decision support in insulin resistance early diagnosis: A pediatric population-based longitudinal study