Os sucessos do passado costumam prever os do futuro. No entanto, novas evidências matizam essa máxima. Um estudo publicado na Scientific Reports analisou grandes bases de dados de atletismo e ténis para explorar o que acontece quando um atleta fica a um passo da vitória. As descobertas são impressionantes e abrem uma conversa necessária sobre como identificar e desenvolver o talento: em situações extremas, perder por pouco pode ativar trajetórias de maior desempenho do que ganhar.
O impacto dos reveses na trajetória desportiva
A literatura sobre desempenho documentou amplamente o chamado efeito Mateus, pelo qual a vitória inicial atrai mais recursos, visibilidade e oportunidades. Mesmo assim, existem momentos críticos em que a derrota por pouco pode se tornar um poderoso catalisador. De acordo com o estudo, uma experiência de quase conquista intensifica a motivação, promove a aprendizagem e pode se traduzir em melhorias sustentadas. Em vez de ser um simples tropeço, o revés precoce funciona como um ponto de inflexão que reorienta o esforço, estabelece metas mais claras e estimula a perseverança.
Como foi realizado o estudo sobre reveses e desempenho
O trabalho é composto por duas estratégias empíricas complementares. No atletismo, acompanhou-se jovens atletas que estrearam em finais de competições mundiais entre 1987 e 2009, comparando aqueles que ganharam o bronze com aqueles que terminaram em quarto lugar, logo abaixo do pódio. Além disso, aproveitou-se uma experiência natural no ténis profissional com os chamados lucky losers, jogadores que acedem ao quadro principal devido a desistências de última hora, e os seus homólogos unlucky losers, que ficaram a um lugar de entrar. Em ambos os casos, foram medidas, de forma objetiva e a longo prazo, as probabilidades de vitória, medalhas, posições e recordes alcançados.
Resultados relevantes
Os dados do atletismo revelam um padrão claro. Como era de se esperar, a relação entre a posição inicial e os sucessos futuros é decrescente desde o ouro até as posições inferiores. No entanto, observa-se uma exceção consistente: os que ficaram em quarto lugar superaram os medalhistas de bronze em medalhas obtidas e na distribuição de posições nos anos seguintes. Eles até apresentaram uma probabilidade de bater recordes superior à dos medalhistas de prata e bronze, ficando atrás apenas dos campeões. Quando se compararam emparelhamentos diretos em competições futuras, os quartos colocados venceram seus pares que haviam ficado com o bronze com uma frequência significativamente maior. Essas descobertas sugerem que a quase conquista ativa uma resposta que reverte a hierarquia anterior.
No ténis, o padrão foi replicado com outra lógica. Em condições normais, os jogadores hipotéticos que teriam entrado no quadro principal superam aqueles que teriam ficado de fora. No entanto, quando ocorre a entrada real por desistência alheia, os unlucky losers acabam por mostrar melhores probabilidades de vitória do que os lucky losers em torneios futuros e maior acesso a rondas avançadas. Antes desse ponto, os lucky losers tinham um desempenho melhor, o que reforça a ideia de uma mudança associada ao revés. De acordo com as análises de robustez, a reversão não se explica por competições mais fáceis, vieses de sobrevivência ou regressão à média. Além disso, os efeitos são especialmente visíveis nas fases iniciais da carreira, quando há mais margem para capitalizar a aprendizagem e reorientar o desenvolvimento.

Implicações finais
Essas descobertas sugerem que as organizações desportivas e as equipes técnicas devem olhar além do vencedor imediato. O quase sucesso pode indicar um potencial latente capaz de florescer com o acompanhamento adequado. Processos de captação e avaliação de talentos que integrem o valor formativo do revés, juntamente com ambientes de segurança psicológica, metas desafiadoras e feedback de qualidade, poderiam ampliar e diversificar as bases. Por outro lado, os resultados convidam a separar o impulso motivacional de curto prazo do desenvolvimento sustentado e a considerar que o mérito não se esgota na foto da vitória, mas se constrói na resposta à quase conquista.
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Fonte: Early career setback and future achievement in professional sports