A crescente profissionalização do desporto feminino está a suscitar questões essenciais sobre como o ciclo menstrual pode influenciar o desempenho. Um estudo recente publicado na revista Sports Medicine Open analisou detalhadamente a relação entre as fases do ciclo, o nível de participação desportiva e o desempenho em domínios cognitivos ligados ao desporto. As suas conclusões, além de desmistificarem ideias generalizadas sobre a menstruação, indicam que o grau de atividade física explica mais variação cognitiva do que a própria fase do ciclo.
O impacto do ciclo menstrual na cognição e no desempenho
O ciclo menstrual eumenorreico envolve flutuações de estrogênio e progesterona que podem modular processos cerebrais relacionados com a atenção, a inibição e a antecipação espacial. Segundo os autores, o desempenho cognitivo apresentou ligeiras variações ao longo do ciclo: durante a ovulação, associada a um pico de estrogênio, observaram-se tempos de reação mais rápidos e menos erros; por outro lado, na fase lútea, quando a progesterona é predominante, foram detetados tempos de reação mais lentos, sem que isso se traduzisse em menor precisão. Essas descobertas sugerem um papel modulador dos hormônios ovarianos sobre o córtex pré-frontal e as redes executivas, embora com alta variabilidade individual. Além disso, surgiu uma desconexão frequente entre percepção e realidade: muitas participantes pensaram que seu desempenho era pior durante a menstruação, mas não foi evidenciado um prejuízo objetivo em seu desempenho cognitivo.
Como foi realizado o estudo?
A investigação avaliou 54 mulheres de 18 a 40 anos, com ciclos regulares e sem contraceção hormonal, classificadas por nível de participação desportiva em quatro grupos: inativas, ativas, em competição e de elite. Cada participante completou uma bateria cognitiva em quatro momentos do ciclo definidos por kits de ovulação caseiros e registos de sangramento: menstruação/fase folicular precoce, fase folicular tardia, ovulação e fase lútea média. Foram medidos a atenção sustentada, o controle inibitório, o tempo de reação simples e a antecipação temporal espacial; em paralelo, foram avaliados o estado de espírito e os sintomas físicos e cognitivos percebidos. Esta abordagem permitiu examinar de forma comparativa os efeitos da fase do ciclo e do estatuto desportivo sobre a cognição e o bem-estar subjetivo.
Resultados relevantes
O desempenho foi melhor durante a ovulação, com tempos de reação mais rápidos e menos erros, enquanto na fase lútea os tempos de reação tornam-se mais lentos sem comprometer a precisão. Curiosamente, a fase folicular tardia foi associada a mais erros de comissão em tarefas de controle inibitório. Em relação à sintomatologia e ao humor, a menstruação concentrou mais incómodos e um estado de espírito menos favorável, embora isso não se tenha traduzido numa deterioração mensurável do desempenho cognitivo. Para além da fase do ciclo, o nível de participação desportiva teve um efeito mais potente: as participantes inativas tiveram um desempenho sistematicamente pior do que as suas pares ativas, em competição ou de elite.
Por sua vez, as atletas de elite apresentaram flutuações de maior magnitude entre as fases, um detalhe que convida a acompanhar atentamente o contexto das cargas de treino, disponibilidade energética e saúde menstrual. Em síntese, a atividade física regular surgiu como um fator mais determinante do que a fase do ciclo para o desempenho em processos cognitivos relevantes para o desporto.

Implicações finais
Estes resultados apelam a matizar suposições e a promover uma visão individualizada. Por um lado, eles sustentam que as atletas podem ter um desempenho de alto nível em qualquer fase do ciclo e que a menstruação, apesar de concentrar sintomas e mudanças de humor, não implica necessariamente uma deterioração objetiva do desempenho cognitivo. Por outro lado, eles sublinham a importância da atividade física regular para sustentar a função executiva e a atenção, para além das oscilações hormonais. Para o ambiente técnico e sanitário, é conveniente integrar o acompanhamento do ciclo com estratégias de comunicação que reduzam preconceitos e expectativas negativas, e com um planeamento de cargas que contemple a variabilidade individual, especialmente no alto rendimento.
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Fonte:Menstrual Cycle and Athletic Status Interact to Influence Symptoms, Mood, and Cognition in Females

