É natural que se originem conflitos nas organizações, mas é possível resolvê-los e obter um crescimento em longo prazo entre os colaboradores.
As organizações são sistemas complexos nos quais se podem desenvolver diferentes tipos de conflitos. À medida que uma organização cresce, aumentam as possibilidades de que se apresentem distintos pontos de vista, alguns opostos, sobre a realidade ou os objetivos a serem obtidos. Mas o conflito não é um elemento nocivo ou negativo por si mesmo. Alba Hernández, Mestre em Psicologia Social, com mais de 20 anos de experiência em pesquisa e consultoria organizacional e colaboradora nos programas de Resolução de Conflitos e Mediação da FUNIBER, nos explica qual é a importância de administrar a solução de conflitos nas organizações atuais.
Alba indica que devemos nos afastar da visão que toma o conflito como algo negativo, e entender que podemos “compreender o conflito como elemento que faz parte da realidade social e que pode ter um papel dinamizador, desenvolvedor das pessoas e processos nos diferentes espaços sociais”, principalmente nas empresas, proporcionando uma oportunidade para estabelecer uma melhora contínua dos processos.
O coração do conflito
A especialista indica que o conflito é consubstancial ao funcionamento da organização e está associado às diferenças que aparecem entre as pessoas ou grupos; as mesmas são recebidas por eles como irreconciliáveis. “Tais diferenças não chegam a ser percebidas e integradas como complementares devido a determinantes do contexto, características das partes envolvidas ou do sistema de relação entre elas”, destacando que as incompatibilidades ou desacordos “podem ser reais ou construídos a partir da percepção das partes envolvidas”.
Alba manifesta que o conflito “poderia surgir por elementos de índole intrapessoal (contradições próprias da pessoa), interpessoal (oposições, diferenças e desencontros entre duas ou mais pessoas de um mesmo grupo), intergrupal (entre grupos diferenciados da organização) ou a partir de processos definidos da totalidade do sistema”. Sendo essencial o manejo da comunicação entre os membros.
Ao identificar as questões que poderiam desencadear um conflito na organização, Alba destaca que podemos encontrar conflitos definidos por:
- Divergência de interesses ou objetivos incompatíveis.
- Competência pela distribuição recursos materiais e financeiros.
- Diferenças quanto a julgamentos ou posturas na tomada de decisões a partir da formação ou informação igualmente diferenciada das partes implicadas (sejam estas pessoas ou grupos).
- Diferenças sociopsicológicas ou de identidade em relação à maneira em que se pensa ou atua-se com relação a assuntos importantes para as partes implicadas (noções de justiça, religião, valores ou critérios morais).
- A avaliação negativa em relação à conduta do outro (indivíduo ou grupo) e associado sempre a uma indeterminação ou falta de clareza nas normas e papéis definidos pela organização.
A causa de um conflito pode ser de “índole personológica”, indica a especialista, ou seja, que é derivada da história de vida e características das pessoas que conformam a organização. “As pessoas que não desenvolveram habilidades para escutar, trabalhar em equipe ou que costumam ter posições rígidas ante as diversas situações ou decisões são agentes potencializadores de conflitos, mais ainda se estão ocupando posições de poder na organização”, destaca a especialista.
A cultura organizacional, o ambiente psicológico e a maneira na qual se estabelece a comunicação no interior de uma organização têm uma influência determinante na geração de conflitos e na forma na qual se enfrenta o problema ou se dá solução, de acordo com Alba.
Identificando problemas
Deve-se considerar que no interior da organização geram-se grupos de forma natural. A interação entre as partes é um ponto de encontro que pode gerar conflito entre as diferentes divisões. Com relação a isto, a especialista indica: “Cada parte da organização concebe de maneira diferente a realidade organizacional e as prioridades; com o passar do tempo as diferenças vão se acentuando e tende-se a gerar um “nós” que em circunstâncias específicas conduz muito facilmente a relações conflitivas entre membros de diferentes grupos. Todos já passamos por processos desta índole nas organizações, que geram não só conflitos, mas também dinâmicas potencializadoras de conflito que se perpetuam no tempo. Por exemplo, aqueles que produzem sempre estarão em dinâmicas muito diferentes que os comerciais, considerarão diferentes prioridades e terão que enfrentar diferenças importantes em um processo de tomada de decisões conjunta”.
Criam-se as condições para a geração de conflitos quando a organização não consegue que as metas sejam compartilhadas pelos colaboradores, quando há pouca clareza na atribuição de papéis ou na distribuição de recursos. A especialista indica que as causas mais frequentes de conflito associam-se a características próprias da organização, ambiguidade nas políticas organizacionais que podem gerar uma compreensão contraditória das metas ou processos organizacionais, pouca clareza ou efetividade dos processos e métodos aplicados para a tomada de decisões, manter uma inadequada distribuição de papéis, estabelecer critérios ambíguos para avaliar o desempenho de indivíduos ou grupos resulta ter um papel determinante, potencializando as condições que podem permitir a criação de conflitos.
Deve-se considerar a heterogeneidade do componente humano, que pode gerar diferenças entre pessoas dentro de um grupo ou com diferentes grupos. As diferenças de gênero, raça, formação ou crenças espirituais são aspectos condicionantes, mas não determinantes, para o surgimento de conflitos.
Maior complexidade implica maior risco
As empresas maiores, com mais divisões e dependências, têm possibilidades maiores de enfrentar conflitos no interior de seus múltiplos departamentos e equipes. Outro fator a considerar é o estresse ou sobrecarga dos colaboradores, o que não é causa direta, mas tem influência sobre outros fatores que podem potencializar a aparição de um conflito, ressalta a especialista. Além disso, deve-se compreender que “as pessoas e grupos que precisam tomar decisões ou alcançar objetivos importantes de maneira urgente costumam assumir mais facilmente como irreconciliáveis as diferenças que encontram em seu entorno de execução”, estabelecendo um ambiente que limita o intercâmbio de posições que possam permitir chegar a alguma forma de entendimento.
Impacto na organização
Deve-se reconhecer se o conflito é latente ou manifesto. Se o conflito permanecer latente por muito tempo, pode ter consequências mais profundas para a organização, porque até que não se manifeste o conflito, não se podem ter ações para solucioná-lo.
Uma vez que se reconhece o conflito, é possível identificar os níveis de interação que podem afetar à organização, com conflitos interpessoais, intergrupais e interorganizacionais. São os conflitos intergrupais os mais frequentes e com maior impacto na organização, mas se deve considerar que poderia “surgir um “simples” conflito interpessoal que tenha grande importância para a vida da organização em dependência do contexto específico e dos papéis das pessoas implicadas”, ressalta a pesquisadora.
Os conflitos geram impacto na organização, podendo observar-se que “as consequências do conflito e de seu enfrentamento permitem definir a existência de conflitos nocivos ou destrutivos e de conflitos construtivos ou desenvolvedores. Estes últimos permitem (devido ao momento de sua aparição e das opções de enfrentamento que a organização pode proporcionar) a geração de importantes benefícios. Entre eles, podemos mencionar sua capacidade para incrementar a motivação no desempenho das partes, estimular, quebrar a rotina, tornar os membros da organização mais conscientes dos problemas a atender prioritariamente, incrementar a criatividade, gerar maior conhecimento mútuo entre pessoas e grupos, clarificar e enriquecer diferentes pontos de vista, promover a interação criativa”.
Ao avaliar os conflitos nocivos ou destrutivos, Alba considera que “inibem ou limitam a comunicação, desprezam novas formas de atuar ou pensar, produzem danos na autopercepção de pessoas e grupos, distorcem a avaliação a respeito dos outros, levantam barreiras defensivas contra a interação social, desmotivam e saturam o âmbito psicológico com uma emotividade negativa que limita o desempenho e a criatividade”.
Solucionar o conflito
A liderança tem um papel central na solução de um conflito. Para Alba, as tendências opostas em uma organização podem tornar-se úteis ou nocivas, dependendo da habilidade dos líderes “para abrir espaço a novas formas de interação que permitam a integração, criatividade e geração de soluções”. Neste contexto, resulta essencial, tanto para a prevenção como para a gestão dos conflitos, gerar um entorno que permita uma comunicação efetiva entre pessoas e grupos, de modo que se possa reconhecer e abordar os conflitos do momento no que se identificam. É importante, principalmente, manter condições que não evitem a confrontação, porque então surgem os conflitos latentes, aqueles dos quais não se fala, podendo gerar consequências negativas para a organização, dependendo da forma como se aborda o conflito.
A especialista indica que as organizações devem aprender a “administrar os conflitos de maneira proveitosa e inspiradora, convertê-los em fonte de aprendizagem e mudança positiva”. Obter um sistema de comunicação interno que seja efetivo é fundamental para a solução dos conflitos. Neste sentido, é necessário que a organização promova que seus membros participem de “sistemas de formação que permitam potencializar ao máximo suas capacidades comunicativas e destrezas associadas à interação social”, principalmente dando ênfase no desenvolvimento da capacidade das pessoas de escutar, pois Alba considera que “muitos conflitos poderiam ser facilmente atendidos e resolvidos se as partes implicadas tivessem verdadeira capacidade de escutar atentamente”.
A pesquisadora explica que uma boa parte dos conflitos origina-se na organização por uma percepção distorcida da situação real da outra parte; por essa razão, a comunicação estabelecida no interior dos grupos deve ser frequente, dando ênfase em estabelecer “o que nos une e para que estamos aqui”, para conseguir um sentido de totalidade que permita gerar “uma verdadeira comunhão de interesses”, que torne possível tomar melhores decisões.
Para prevenir os danos que o conflito prolongado gera na organização, requer-se estabelecer uma liderança que abra espaço para que as pessoas participem na construção de soluções e criar um ambiente no qual não só se aceitem, mas se apreciem e integrem-se as diferenças.
Medidas de reparação
Alba indica que quando um conflito tenha gerado efeitos destrutivos na organização, é necessário “aumentar a amplitude, frequência e profundidade das interações comunicativas entre as partes em conflito”, dentro de um ambiente que gere confiança para as partes, por isso seria recomendável recorrer a alguma forma de mediação externa.
“A geração de metas supraordenadas que permitam construir um propósito comum é desejável e necessária para mitigar os danos produzidos e para prevenir futuros conflitos”, indica a especialista, ressaltando que é necessário que a metas sejam realmente compreendidas e compartilhadas no interior da organização, resultando também “imprescindível reconsiderar aspectos funcionais da organização relacionados com as formas de comunicação e tomada de decisões, a distribuição de recursos e poderes ou mudanças na retribuição no caso de que estes sejam arestas vinculadas ao conflito”.
Do ponto de vista da pesquisadora, é necessário estabelecer um ambiente que permita que cada uma das partes seja ouvida, gerando uma abertura ao diálogo, em um entorno no qual as pessoas a cargo do processo de gerar soluções prestem especial atenção a:
- Garantir que a comunicação seja genuína e aberta.
- Que as diferenças sejam aceitas e respeitadas.
- Que o dialogo centre-se nos aspectos observáveis que permitam novas decisões e avaliações (evitar a implicação das antigas percepções ou avaliações subjetivas)
- Orientar a experiência visando o futuro (deixando no passado as ações passadas)
É necessário, ademais, gerar entornos nos quais se desenvolvam relações informais ou amistosas para dissolver as emoções negativas que possam ter sido geradas com o tempo. A especialista recomenda que todas as pessoas e grupos afetados pelo conflito devem participar de alguma forma no processo de recuperação, para apoiar o seguimento e apoio às mudanças propostas.
Alba Hernández colabora nos programas de formação em Resolução de Conflitos e Mediação da FUNIBER. Ela destaca que “a concepção do Programa é elaborada do geral ao particular: trabalham-se conceitos centrais na resolução/transformação de conflitos e a mediação, do ponto de vista teórico – metodológico e normativo – legal, o que aporta um marco referencial operativo para a abordagem dos conflitos em diferentes escalas e contextos do social”.
A abordagem dos cursos oferecidos não se centra somente no âmbito empresarial. Alba explica que se aborda a resolução ou transformação de conflitos em âmbitos particulares como: escolar, sanitário, penal, comunitário, familiar, organizacional e internacional.
Os alunos dos programas de Resolução de Conflitos e Mediação trabalham a resolução de conflitos on-line, utilizando a tecnologia como suporte para exercitar seus conhecimentos em resolução de conflitos. Adicionalmente, os estudantes devem desenvolver Práticas Profissionais, como “atividade dirigida e fiscalizada, em um contexto real de exercício da profissão”.
De acordo com Alba, as pessoas que cursam o Programa de Estudos desenvolvem “uma visão geral e aplicada da resolução de conflitos em diferentes âmbitos sociais. Esta formação integral habilita profissionalmente para posicionar-se e desenvolver uma trajetória em contextos muito diferentes. Assim demonstram testemunhos de alunos que cursaram nosso Mestrado em Resolução de Conflitos e Mediação”.
Alba Hernández pesquisou temas de Trabalho em Equipe, Redes informais, Liderança e Cooperação Intergrupal. É autora do livro “A pesquisa-ação como método. Um olhar da organização trabalhista” e coautora de “Culturas de Participação em Cuba e nos Estados Unidos”. Desde o ano 2013 colabora em programas de formação desenvolvidos pela FUNIBER.