A aprendizagem significativa que une teoria, prática e emoção
Por Estela Fernanda Cordeiro Alves*, aluna brasileira do Mestrado em Comunicação da Universidad Europea del Atlántico, curso promovido pela FUNIBER.
Pense em alguma coisa que marcou sua experiência escolar. O que vem mais rapidamente à sua lembrança? Uma apresentação teórica em sala de aula ou uma excursão a uma exposição imersiva, um ponto turístico, uma fábrica, um museu? Se você é como 99,9% das pessoas, a excursão será lembrada muito facilmente, e não só pela diversão com os colegas, mas pelo conjunto da experiência. As “aulas extramuros” oferecem um mundo de possibilidades para alunos e professores. Para muitos alunos, uma excursão como essa, é a primeira saída do bairro ou da rotina do percurso casa-escola. A emoção do passeio, a interação com os colegas, a troca de experiências e a interação com funcionários do local visitado, são elementos que ajudam o aluno nos aspectos teóricos tratados em sala de aula. Mas não só isso motiva a visita, que vai muito além, despertando curiosidades, novas opiniões e até vocações! Além dos benefícios para os alunos, essa experiência é uma forma prazerosa de formação e atualização para os professores, que podem compartilhar ideias e conhecimentos tanto com os alunos, na visita, como com outros professores e educadores dos museus, em cursos de formação, workshops e palestras.
A pedagoga Patrícia Carla Oliveira Carneiro Silva desenvolveu a tese “Público escolar no Museu de Ciências Morfológicas da UFMG: uma investigação acerca dessa experiência informacional”, com o objetivo de explorar os significados que surgem a partir de uma excursão escolar ao museu. Em entrevista ao site da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 24 de outubro de 2018, ela explica: “O contato com o acervo do museu, que é um ambiente informacional, provoca sensações que não estavam previstas, a experiência se apodera de nós e pode nos transformar”.
No Rio de Janeiro, Lucineia Alves, Doutora em Ciências e professora na rede pública municipal do Rio de Janeiro, identificou que as visitas a museus e espaços culturais contribuíam muito para projetos interdisciplinares que desenvolvia em sala de aula, e não deixou escapar a oportunidade que foi dada, ao descobrir alternativas de visitas, como ao Museu Light da Energia, museu que fica na sede da Light, distribuidora de energia no Rio de Janeiro, onde são disponibilizados ônibus para escolas públicas. Lucineia foi contemplada duas vezes no Prêmio anual que é organizado pelo museu, e escreveu um capítulo de livro, em colaboração com mais 3 professores, Bianca Leão, Roberto Nascimento de Souza Júnior, Kamila Ribeiro da Silva, compartilhando a experiência e os benefícios que ela trouxe, não só ao projeto escolar em sala de aula, mas também à autoestima dos alunos e ao seu enriquecimento cultural. Ela comenta a opinião dos alunos e dos responsáveis: “Muitas mães, pais e responsáveis, percebem que os filhos estão tendo oportunidades que eles não tiveram e valorizam muito essas experiências. Os alunos que vão adoram, mas infelizmente os que permanecem na escola ficam frustrados, e por vezes, até chateados com os professores, mesmo explicando a eles a limitação por causa do transporte.”
Bruno da Cunha Ferreira, que atuou como educador do Museu Light da Energia, de 2013 a 2018, e hoje é Diretor Adjunto na rede pública de Búzios, cidade litorânea do Rio de Janeiro, recentemente fez uma visita com um grupo de alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, levando-os à capital do estado do RJ, para numa mesma visita conhecer o Museu do Amanhã e o Museu Light da Energia. Bruno comenta o quanto acha importante essa iniciativa: “As visitas de campo contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos pois muitas vezes permitem que o conhecimento teórico seja materializado na prática. Conhecer museus, teatros, planetários, entre outros espaços, pode proporcionar a construção do conhecimento, desenvolver competências e habilidades de forma autônoma e participativa, além de extrapolar as barreiras sociais e culturais impostas pela realidade de grande parte dos alunos da rede pública, expandindo ainda mais sua visão de mundo e sonhos.”
A experiência começa na saída da escola e só termina no retorno, pois tudo o que acontece, em todo o percurso, vai fazer parte dessa vivência. “Os alunos costumam sempre comentar sobre as visitas, do que gostaram e do que aprenderam. Alguns podem até não externar, mas até a experiência mais simples como, por exemplo, andar de elevador, pode ser uma experiência inesquecível para eles.”, comenta Bruno.
Fernanda Alexandrina Queiroz Monteiro, Mestre em Educação e professora na rede pública municipal do Rio de Janeiro, complementa: “As experiências educacionais fora do ambiente escolar alcançam nos participantes aquilo que muitas vezes a escola tradicional pode ter perdido: alegria, ludicidades, leveza, práxis, encanto…”.
Sobre a participação dos professores, Fernanda comenta: “Os professores normalmente demonstram interesse e consideram importante, mas muitos esbarram na dificuldade de conseguir data e transporte.”
São as duas barreiras de sempre: tempo e dinheiro. O tempo para incluir esse tipo de atividade na rotina do calendário escolar (ou no mínimo dar a prioridade que merece) e recursos para o transporte. Além de alguns (poucos) espaços gratuitos que oferecem ônibus, existem algumas alternativas, como, por exemplo, o projeto Experimente Cultura, um programa de incentivo à visitação de espaços culturais e experimentação de ambientes que transmitem história, arte e cultura na cidade do Rio de Janeiro. Atuam por meio de visitas virtuais e presenciais a importantes museus da cidade, oferecendo transporte gratuito. Segundo seu site, o projeto pretende democratizar e facilitar o acesso à cultura, e busca promover hábitos culturais mais ativos com esse fortalecimento do elo entre o público e a cultura, especialmente para estudantes de rede pública e jovens em vulnerabilidade socioeconômica.
Em rápida pesquisa na internet sobre esse assunto no Brasil, localiza-se o PROJETO DE LEI N.º 5.092-A, de 2005, que sugeria a visita a museus e centros culturais como atividade extracurricular obrigatória para escolas de Ensino Médio e Fundamental, mas foi rejeitada unanimemente. Na BNCC, Base Nacional Comum Curricular, documento de referência para elaboração das propostas pedagógicas para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio no Brasil, a única referência encontrada, sobre visita a esses espaços, é o aspecto de reconhecer e identificar os registros e objetos de museus.
No Guia de Viagem de Thaís Caramico, Londres e Paris com crianças, ela comenta que na França as crianças não têm aulas às quartas-feiras, normalmente dia de visitas aos museus e espaços culturais. Não fica claro se essas visitas ocorrem sob a coordenação das instituições de ensino. Não sei se essa prática ainda permanece, pois meu guia é de 2013, mas achei a iniciativa muito interessante. A experiência extramuros fazia parte da proposta pedagógica do francês Célestin Freinet (1896-1966). Quem sabe essas quartas livres não foram influenciadas por ele?
É uma pena que essas experiências não estejam formalmente incluídas no calendário escolar das instituições de ensino brasileiras. Sem recursos destinados para as visitas e sem uma estrutura curricular que contemple essas experiências, são raras as oportunidades, e quando ocorrem, geralmente são promovidas por professores mais engajados, que percebem os benefícios dessa vivência para seus alunos e para eles próprios.
*Esta entrevista foi realizada no marco do Dia Mundial do Docente, de maneira colaborativa e voluntária pelo estudante. O autor é o único responsável pelas informações declaradas.