A equipe multidisciplinar de terapia intensiva norte-americana identificou que apesar da iniciação precoce da terapia nutricional enteral em pacientes críticos, houve diversas interrupções desnecessárias, que acarretaram em maior tempo de internação, maior tempo para atingir as necessidades calóricas e maior chance de introdução da nutrição parenteral.
O objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco associados com as interrupções da nutrição enteral (NE), avaliar se as mesmas poderiam ser evitadas e o seu impacto sobre a oferta de nutrientes em pacientes críticos admitidos na unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) de um hospital dos Estados Unidos.
O tipo de terapia nutricional era escolhida baseada no protocolo do hospital, que tem como preferência a NE como principal via de alimentação, exceto para os pacientes com possibilidade de se alimentar via oral. Os pacientes admitidos na UTIP recebem NE assim que possível, entretanto, pacientes hemodinamicamente instáveis, com sangramento importante do trato gastrintestinal superior, com presença ou alto risco de enterocolite necrosante, no pós-operatório de íleo, com obstrução intestinal ou outras situações analisadas pela equipe médica, não eram alimentados por NE.
A dieta enteral era retida por 6 horas antes da anestesia para cirurgias eletivas e 4 horas antes da intubação e extubação endotraqueal. A nutrição parenteral (NP) era indicada quando havia necessidade de jejum por cinco dias ou mais, ou mínimo de três dias, em casos de desnutrição, baixo peso ao nascer ou hipermetabolismo.
Considerou-se interrupção da NE períodos maiores que 30 minutos. Suas causas foram divididas segundo alguns critérios: intubação ou extubação endotraqueal; procedimentos radiológicos; outros procedimentos no próprio leito; procedimentos cirúrgicos na sala de operação; intolerância à alimentação oferecida; mau funcionamento da sonda, mau posicionamento ou obstrução e outros motivos não especificados.
O estudo acompanhou todos os pacientes admitidos na UTIP durante o período de quatro semanas, exceto aqueles que permaneceram internados por menos de 24 horas. Um total de 117 pacientes participaram do estudo, cuja idade variava entre recém-nascidos até 36 anos, sendo que vinte deles menores de um ano. Oitenta pacientes receberam NE, que foi iniciada a partir do primeiro dia de internação, e foram necessários cerca de quatro dias para os pacientes alcançarem o aporte calórico prescrito.
A NE foi interrompida em 24 (30%) pacientes em média 3,7 vezes, totalizando 88 episódios. Destes, 58% foram considerados evitáveis. Foram 25 interrupções devido a intolerância à alimentação, sendo 12 (48%) consideradas evitáveis; 21 devido a extubação ou intubação, sendo 17 (81%) evitáveis; 12 devido ao mau funcionamento da sonda, sendo 9 (12%) evitáveis; 10 devido a procedimentos radiológicos, sendo 2 (20%) evitáveis; 7 devido a procedimentos médicos realizados no leito, sendo 2 (29%) evitáveis e 3 interrupções devido a procedimentos cirúrgicos, sendo 1 (33%) evitável.
“Mesmo com o início precoce da NE na maioria dos pacientes, nós registramos uma frequência alta de interrupções. É notável que mais da metade destas interrupções poderiam ter sido evitadas, pois não condiziam com o protocolo da instituição. Estas observações fornecem oportunidades para a educação dos profissionais da saúde e vigilância para evitar episódios de jejuns desnecessários, que aconteceram principalmente por agendamento de procedimentos médicos sem horário específico, ou a seu cancelamento”, dizem os autores.
A diferença de dias de internação entre os pacientes que não sofreram interrupções da NE e os que sofreram interrupções e que poderiam ser evitadas foi em média 2 e 23 dias, respectivamente (p < 0,0001). “Embora os pacientes com interrupções da NE tivessem associados com maior duração da NE e internação na UTIP, a gravidade das doenças destes pacientes não era maior do que as dos demais”, afirmam os autores.
Com relação ao tempo para alcance do aporte calórico, os pacientes sem interrupções da NE atingiram suas necessidades nutricionais na média de 2 dias, enquanto os pacientes com interrupções da NE demoraram 8 dias (p = 0,002). Segundo outras pesquisas, a demora para o alcance do aporte calórico está associada com perda de peso significativa de crianças internadas em UTIP que, por sua vez, associa-se com maiores complicações. O tempo de utilização da NE pelo grupo que sofre interrupções também foi significativamente maior (15 dias em média), em comparação com os pacientes sem interrupções da terapia nutricional (um dia em média). Além disso, os pacientes com interrupções desnecessárias de NE apresentaram três vezes mais probabilidade de requerer NP. “Isto expõe o paciente a maiores chances de infecções e outras morbidades associadas com a NP, além de custos elevados”, explicam os autores.