Nós, seres humanos, modificamos nosso ambiente para ter uma melhor qualidade de vida, mas, no processo, muitas vezes não levamos em conta o impacto indireto que estas modificações terão sobre o ambiente ou sobre os organismos que habitam determinada área. As “Marés Vermelhas” ou a Floração de Algas Nocivas (FAN) ocorrem quando as microalgas de uma determinada região crescem intensamente de maneira repentina. Este tipo de evento é cada vez mais frequente e sua presença pode levar à morte de muitas espécies marinhas ou à contaminação de alimentos que, posteriormente, podem ser consumidos pelos seres humanos.
Erik Simões, professor da Fundação Universitária Iberoamericana (FUNIBER) nos programas de Pós-graduação em Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, explica as causas e as consequências das “Marés Vermelhas”, seu impacto na vida do planeta e o potencial perigo que elas representam para a saúde das pessoas.
Um pouco de história
O docente da FUNIBER e da Universidade Internacional Ibero-americana de Porto Rico (UNINI Porto Rico) acredita que as “Marés Vermelhas” não são recentes e indica que o primeiro registro deste fenômeno pode ser encontrado na Bíblia, especificamente no Antigo Testamento (Êxodo, 7:20-21), no qual há um relato da ocorrência de uma floração de dinoflagelados, por volta do ano 1000 a.C. no Egito, quando o rio Nilo se tingiu de vermelho, gerando uma mortalidade em massa de peixes e tornando a água tão fétida que os egípcios não a puderam tomar.
A “Maré Vermelha” é o nome coloquial dado a este fenômeno natural, mas Simões explica que podem ocorrer “Marés Verdes” ou “Marés Amarelas”, dependendo da pigmentação da microalga. No caso da “Maré Vermelha”, trata-se do rápido crescimento de dinoflagelados, cuja presença do pigmento piridina confere uma cor avermelhada às células.
As causas
Simões assinala que a floração em massa de dinoflagelados pode ocorrer como consequência do aumento na disponibilidade de nutrientes e de luz em seu ambiente. Em suas pesquisas, o professor da FUNIBER identificou que a causa pode ser natural, como o fenômeno oceanográfico conhecido como ressurgência, no qual águas profundas, ricas em nutrientes, afloram em direção à zona fótica. Mas também pode ter uma origem antropogênica, como consequência dos resíduos despejados por seres humanos na água como parte das atividades domésticas e industriais.
Os fertilizantes utilizados nos dias atuais para o cultivo de alimentos normalmente são levados para o leito dos rios e dali chegam aos oceanos, fornecendo uma grande quantidade de nutrientes que pode ser aproveitada pelos dinoflagelados e outros micro-organismos unicelulares para seu crescimento de modo explosivo. Além disso, os resíduos industriais e domésticos seguem o mesmo curso e podem servir de alimento para estes micro-organismos, que podem chegar a crescer rapidamente, gerando a “mudança de cor” em certas regiões de rios, lagos e oceanos.
Perigo para a vida
Na opinião de Simões, as “Marés Vermelhas” não são um fenômeno exclusivo dos oceanos. Elas ocorrem tanto nos oceanos quanto nas águas continentais, sendo um evento de maior perigo quando ocorre uma reprodução em massa de dinoflagelados em ambientes fechados, como os lagos, onde os animais não podem escapar. O especialista indica que algumas espécies destes organismos unicelulares produzem toxinas, outros podem causar a obstrução das brânquias dos peixes ou podem consumir rapidamente o oxigênio da água, gerando uma zona anóxica e provocando a morte massiva de outros organismos.
Se a FAN for muito grande, gera-se uma barreira que impede a passagem da luz na água. Como consequência desta situação, o fitoplâncton não pode completar seu processo de fotossíntese, não havendo a produção de oxigênio. Após a morte das microalgas, inicia-se um processo de decomposição que consome o oxigênio da área afetada e este fenômeno, somado à ausência de fotossíntese, gera a anoxia, criando-se uma zona morta que impede o desenvolvimento da vida em determinadas regiões.
Em áreas de cultivo ou produção de moluscos bivalves, as toxinas produzidas pelos micro-organismos podem ser armazenadas na carne dos lamelibrânquios e causar intoxicação nas pessoas que os consumem posteriormente. Em alguns casos, quando a “Maré Vermelha” afeta uma zona costeira, as toxinas produzidas pelos dinoflagelados podem ser inaladas pelos humanos quando as ondas deixam um rastro de minúsculas partículas de água no ar.
O pesquisador da FUNIBER destaca que, na história, foram registrados alguns casos de intoxicação pelo consumo de bivalves, como o ocorrido em 1973, no Canadá, quando tripulantes de uma embarcação inglesa morreram após a ingestão de moluscos contaminados com toxinas.
A ingestão de bivalves contaminados com as toxinas produzidas durante uma FAN pode causar fortes diarreias e até amnésia ou paralisia nas pessoas. O especialista da FUNIBER indica que os sintomas clínicos causados pela ingestão de ficotoxinas são classificados da seguinte maneira:
– Síndrome amnésica ou ASP (Amnesic Shellfish Poisoning): cefaleias, enjoo, desorientação, distúrbios na visão, perda de memória, debilidade e convulsões.
– Síndrome paralisante ou PSP (Paralytic Shellfis Poisoning): náuseas, dores abdominais, formigamento pelo corpo e falta de ar.
– Síndrome diarreica ou DSP (Diarrhoeic Shellfish Poisoning): diarreia, náuseas, vômitos e cólicas.
– Síndrome neurotóxica ou NSP (Neurotoxic Shellfish Poisoning): vômitos e náuseas e uma variedade de sintomas neurológicos, como fala arrastada e perda de coordenação.
Risco para a economia
Determinadas regiões que sustentam sua economia com a produção de bivalves podem enfrentar dificuldades na produção e comercialização de ostras, mexilhões, pectinídeos e amêijoas. Ademais, a Floração de Algas Nocivas pode afetar a saúde dos habitantes de uma cidade e demandar recursos adicionais por parte dos sistemas de saúde.
Simões indica que, em alguns Estados, como Santa Catarina, responsável pela produção de 90% de moluscos bivalves no Brasil, a presença de uma FAN pode elevar os custos da saúde pública, como consequência do atendimento às pessoas infectadas, e comprometer a economia local ao produzir o embargo das áreas afetadas. O fenômeno pode ter um impacto direto sobre setores como aquicultura e pesca.
FAN e aquecimento global
Simões ressalta que o aquecimento global não pode ser considerado uma das principais causas das FANs. Entretanto, ele tem um impacto indireto. Alguns cientistas afirmam que o aquecimento global, sim, poderia aumentar estes eventos em termos de frequência, intensidade e distribuição geográfica.
Neste momento, não há um método para evitar o desenvolvimento de uma FAN, apenas foram estabelecidas medidas para monitorar as áreas que podem estar em risco. O pesquisador indica que o Codex Alimentarius, programa responsável pela padronização mundial da segurança alimentar, reuniu especialistas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Comissão Intergovernamental da UNESCO (IOC) para definir os limites aceitáveis da presença de toxinas nos peixes e estabelecer métodos adequados para realizar as análises. No momento, as medidas orientam-se para estabelecer um monitoramento, e não para evitar a ocorrência dos fenômenos.
Erik afirma que o impacto antropogênico pode ser reduzido com a instalação de eficientes sistemas de tratamento de águas residuárias e ressalta que, nas cidades que possuem como atividade principal o cultivo de bivalves, a instalação de sistemas de tratamento de águas residuárias é ainda mais necessária.
Conheça mais sobre os programas de Mestrado e Especializações em Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da FUNIBER no link abaixo:
http://www.funiber.org/areas-de-conocimiento/medio-ambiente-y-desarrollo-sostenible/
O trabalho completo de Erik Simões sobre as “Marés Vermelhas” pode ser consultado neste link: http://fnbr.es/130
Nota: o professor Erik Simões participa da rede universitária com a qual colabora FUNIBER.