Na cultura ocidental, por centenas de anos, apostamos em bem estar material para alcançar certo gral de comodidade e, de alguma forma, encontrarmos a felicidade. Infelizmente, o conceito de felicidade foi entendido, erroneamente, como a criação de um ambiente que garantisse certa segurança a longo prazo, um ambiente em que nossos desejos sejam satisfeitos sem importar como esses bens ou serviços chegam às nossas mãos; tão pouco se pensa no impacto social ou ecológico que tem a fabricação ou dejetos de um objeto. Mas não me entenda mal, este processo tem sido inconsciente e pouco a pouco isto está mudando, mas o sistema de fabricação industrial nos leva a um ponto em que nos perguntamos pela origem ou impacto de nossas ações cotidianas, isto se torna muito claro quando um professor brinca dizendo que seus filhos “pensam que o leite é fabricado tal qual um refrigerante”. Parece um problema difícil de resolver, mas na realidade somente falta introduzir “uma mudança de ponto de vista” ou uma filosofia para iniciar a mudança.
O conceito de felicidade que tem predominado na sociedade ocidental nos levou a um ponto em que o sistema se derruba em pedaços, e os humanos que fazem parte desta sociedade também se sentem destroçados. A sociedade de consumo nos oferece centenas de opções para uma única necessidade, enquanto que a socióloga Renata Saleci assegura que a abundância de opções apenas gera ansiedade no indivíduo.
Em nossa sociedade o estresse se transformou em uma epidemia e já quase é considerado “normal”. Por outro lado, o desejo descontrolado por bens materiais se transfere, inclusive, para campos como o da alimentação, e resulta num evidente problema quando a OMS qualifica uma doença como a Obesidade como uma pandemia infecciosa. Nossa sociedade está doente e não sabemos onde “comprar” a cura.
Voltar às raízes
No caminho de discussões sobre como “combater” os efeitos do aquecimento global entraram na discussão os nativos, membros de culturas milenares que se mantiveram a margem do progresso, tal como o entendemos no ocidente. Infelizmente o mundo ocidental não entende a cosmovisão dos nativos e lhes virou as costas para seguir em sua carreira para o desenvolvimento sem importar que o planeta se destruiria no caminho.
Carlos Viteri, pesquisador equatoriano revela que a cosmovisão dos nativos da selva equatoriana compartilham uma filosofia de vida que é muito próxima de certas filosofias desenvolvidas na cultura oriental. Nestas duas culturas o conceito de harmonia prima sobre a comodidade ou abundância material. Viteri indica que “o bom viver” consiste em conseguir uma “vida harmônica”, da mesma forma que certas culturas orientais planejam o desenvolvimento do homem em harmonia com seu entorno e um constante esforço por não prejudicar os seres com que se guarda relação direta, portando se desenvolve uma consciência mais ampla do impacto de cada uma das ações realizadas, e o impacto de cada ação no ambiente o “karma”.
Viteri assegura que na sociedade indígena “não existe conceito de desenvolvimento, quer dizer, não existe a concepção de um processo linear da vida que estabeleça um estado anterior ou posterior, a saber, subdesenvolvimento e desenvolvimento; dicotomia pela qual as pessoas devem transitar para a consecução de uma vida desejável, como ocorre no mundo ocidental. Tão pouco existem conceitos de riqueza e pobreza determinados pela acumulação ou carência de bens materiais”, e adiciona, “por este motivo é inapropriado e altamente perigoso aplicar nas sociedades indígenas o paradigma do desenvolvimento tal qual é concebido no mundo ocidental”.
Os nativos procuram viver de uma forma que lhes permita proteger o meio ambiente em que se desenvolvem para conservar os recursos que servirão às gerações vindouras. Viteri explica que os métodos de semeadura e o uso do solo se estabelecem “em função do mantimento e a proteção da biodiversidade agrícola e da floresta, propiciando uma permanente recriação destes ligares, evitando sobre-exploração de recurso e deterioro ou contaminação ambiental”.
Não se tem na cultura indígena um conceito de “pobreza”, para os nativos a carência surge quando se perde conexão com o entorno e não se compreende o funcionamento dos ciclos naturais que lhes permitam conseguir uma abundante produção agrícola, mas ainda nesses casos Viteri afirma que “a solidariedade e reciprocidade que a caracteriza a economia e a cultura que da sociedade resulta na melhor resposta” a qualquer situação em que se possa apresentar escassez.
Mas a filosofia que aponta o “bom viver” dos indígenas pouco a pouco está desaparecendo. Ao inserir-se na carreira do “desenvolvimento”, os indígenas “devem deixar de insistir em suas tradições não rentáveis, renunciar a suas bases locais de subsistência e esquecer de suas capacidade de gestão autônoma para passa a ser força de trabalho, permitir o livre acesso as atividades extrativas do subsolo e da biodiversidade e passar a depender do Estado para que este resolva suas necessidades…” indica Viteri.
Tanto a cultura indígena como algumas culturas orientais propõem a felicidade do homem não pela acumulação de bens, mas pelo desenvolvimento interno do indivíduo e o reconhecimento de uma conexão com a natureza, o planeta e todo o universo, como uma unidade. Fica como tarefa pendente pesquisar a forma em que estas filosofias, ou parte delas, poderia integrar-se num sistema educativo para que as próximas gerações reparem o que esta geração está destruindo.
A mudança no conceito de felicidade na sociedade geral mudaria a orientação de consumo dos indivíduos, influenciando, portanto, nos tipos de produtos demandados às empresas.
A crítica oficial
A visão indígena é julgada em muitos casos por políticos e empresários, porque não se ajusta ao modelo atual, e é então que surgem declarações como as dadas pelo então presidente do Perú, Alan García, que afirmou que os nativos “não são cidadãos de primeira classe” e portanto não tem nada de valioso para dizer à sociedade ocidental. As declarações de García se deram no meio de um conflito social onde morreram policiais e nativos.
O ex-presidente García assegura que é necessário “derrotar as ideias absurdas panteístas” e considera que essas ideias são uma enorme trava para a atividade mineradora.
Hoje as comunidade nativas são ameaçar em muitas partes do mundo porque as empresas petroleiras, mineradoras e outras as percebem como um estorvo para o desenvolvimento de suas atividades. É assim que continua a destruição de uma cultura que pertence a uma minoria, mas cuja filosofia poderia nos ajudar a salvar o que resta do planeta.
Alan García considera que a solução para o conflito entre comunidades nativas e as indústria extrativistas pode ser resolvida com mais educação. Mas diante de um mundo em crise perguntamos: que tipo de educação é a que necessitamos para conseguir recuperar o equilíbrio com nosso planeta, considerando que ambos os pontos de vista parecem ser opostos?
Fontes: Pandemia de obesidade, Quanto a sua saúde afeta a sua produtividade?, Capitalismo e a ansiedade gerada pelo excesso de opções, Equador: Conceito de desenvolvimento segundo a cosmovisão indígena, por Carlos Viteri Gualinga