Bruno Calixto, em Amazonia.org.br
Com a Constituição de 1988, a adoção da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a declaração dos direitos dos povos indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil passou a ser o País com uma das melhores leis de defesa dos direitos indígenas. Apesar disso, os poderes Executivo e Legislativo não conseguem consolidar essa regulamentação. É o que constata Marcos Terena, líder indígena e um dos fundadores do primeiro movimento indígena do Brasil, em 1979.
Terena foi um dos especialistas e militantes indígenas que participaram do seminário 1º Seminário Latino-americano dos Povos indígenas e Direitos Humanos da Universidade de São Paulo, realizado nesta semana na capital paulista.
Para que essa situação mude, o líder indígena defendeu a autodeterminação dos povos indígenas, e o direito de cada povo ter seus princípios internos respeitados. Segundo Terena, isso não significa que os índios poderiam, hipoteticamente, não se considerar brasileiros. “Não existe a possibilidade, pelo menos do ponto de vista dos indígenas, de não sermos mais brasileiros”.
Além da questão da legislação e dos direitos dos povos, uma das principais preocupações do seminário foi a atual situação do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Os Guaranis sofrem com a disputa de terras com fazendeiros locais.
O jurista e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Carlos Frederico Mares de Souza Filho explicou que o que ocorreu na terra dos índios Guarani, no sul do Estado do Mato Grosso do Sul, foi exatamente o que muitos políticos de Roraima queriam fazer na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), isto é, demarcar a terra indígena em ilhas.
“A ideia era que os índios ainda poderiam ter a ‘glória’ de trabalharem nas fazendas”, ironizou. Segundo o jurista, a situação só será resolvida no Mato Grosso do Sul com a demarcação contínua das terras dos Guaranis.
169 e Grandes Projetos
Ricardo Verdum, do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), abordou a questão dos direitos indígenas nas Constituições dos Estados da América Latina, e os acordos internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo o pesquisador do Inesc, a Convenção 169, e depois a Declaração dos Povos Indígenas da ONU de 2007, trouxeram avanços importantes no respeito aos direitos dos povos indígenas, mas a aplicação efetiva desses instrumentos ainda deixa a desejar.
Para Verdum, as grandes obras de infraestrutura estão se tornando grandes desafios na implementação dos direitos indígenas na região. Ele se refere aos projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Integração de Infraestrutura na América Latina (IIRSA), com projetos de infraestrutura – com forte protagonismo do Brasil e de empresas brasileiras – com interesses na exploração de recursos naturais, como petróleo ou minérios, em terras indígenas.
Segundo ele, esses projetos entram, muitas vezes, em confronto com os direitos indígenas. “Raposa Serra do Sol e, mais recentemente a questão envolvendo Belo Monte, são dois exemplos de que a consulta prévia indicada na 169 ainda tem muita dificuldade em ser implementada”, diz, referindo-se à usina hidrelétrica que será construída no rio Xingu (PA) e que pode afetar as terras dos índios Kayapó. Ontem (11), a Justiça determinou que o licenciamento de Belo Monte fosse suspenso e que se fizessem novas audiências públicas.
Marcos Terena contou que participou das primeiras manifestações dos Kayapós contra Belo Monte, no final da década de 1980, quando os índios conseguiram evitar o financiamento e a construção da usina. Ao fazer a comparação com o momento atual, no entanto, ele acredita que será mais difícil impedir a construção da obra.
“Vamos ter muita dificuldade para brecar esse projeto. Naquele tempo, o movimento político de esquerda conversava com a gente, estava com a gente, mas hoje eles são governo e defendem o projeto. Até o Ibama e a Funai estão apoiando”.