Estudo inédito que compara os cuidados com pacientes terminais em diversos países coloca o Brasil entre os piores lugares para morrer. Entre as 40 nações analisadas, o Brasil só não é pior do que Índia e Uganda, de acordo com o trabalho, feito pela unidade de inteligência da revista “The Economist”. Cada país recebeu sua pontuação no recém-criado índice de qualidade de morte. A nota é composta por indicadores qualitativos e quantitativos, normalizados e traduzidos em números.
Dispostos em quatro categorias, os indicadores incluem desde macrodados – como expectativa de vida e porcentagem do PIB destinada à saúde – até fatores como a facilidade em se obter analgésicos e se os estudantes de medicina são treinados em cuidados paliativos.
Cuidados paliativos ou de fim de vida são as medidas tomadas quando já não é possível curar ou estender a vida do paciente. As prioridades passam a ser o controle da dor e o conforto físico e psicológico do doente e de seus familiares.
Mesmo países com bons sistemas públicos de saúde, como Dinamarca, Finlândia e Coreia do Sul, receberam pontuações baixas. As razões para a má performance incluem desde elementos culturais, como a dificuldade de lidar com a morte, até a ausência de uma política nacional sobre o tema.
FORMAÇÃO
Para o professor de bioética da USP Reinaldo Ayer de Oliveira, os médicos não estão preparados para tratar o doente incurável. “Esses pacientes são levados até a morte com muitas dúvidas e dificuldades”, diz ele.
Lacunas na formação acadêmica são apontadas como uma das razões do despreparo. A disciplina de cuidados paliativos não é obrigatória nas faculdades de medicina-a especialidade ainda nem é reconhecida pela Associação Médica Brasileira.
“Enquanto você tem o doente com perspectiva de cura, as coisas vão bem. Na hora que se inverte isso, não temos preparo. Não sabemos qual o ponto de “viragem” [quando não há mais cura] ou qual o tipo de medicamento ou de procedimento que deve ser continuado”, diz Oliveira, que também coordena a área bioética no Cremesp (Conselho Regional de Medicina).
Embora o novo Código de Ética Médica determine que os médicos não devem adotar procedimentos que pareçam desnecessários no fim da vida, na prática há muito tratamento equivocado.
A avaliação é da oncologista Dalva Yukie Matsumoto, uma das diretoras da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. “Há muitos doentes em situação de quase morte internados em UTIs, entubados.”
O médico Leonardo Consolim, do grupo de cuidados paliativos do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), defende que se criem unidades especializadas para tratar paciente terminais nos moldes do Programa Saúde da Família -no qual as pessoas são acompanhadas por equipes multidisciplinares em suas casas.
ANALGÉSICOS
Um estudo feito na Espanha em 2006 mostrou que a criação de novas unidades paliativas e o aumento da utilização do “homecare” (tratamento domiciliar) reduziu as internações em salas de emergência, produzindo economia para o sistema.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o serviço de internação domiciliar para cuidados paliativos, criado há quatro anos, atende hoje 6.000 pacientes.
O acesso aos opioides também é outro entrave. Segundo Matsumoto, além da burocracia para obtê-los, muitos médicos não sabem prescrevê-los na quantidade correta porque não são treinados adequadamente.
Estima-se que, no mundo todo, 5 bilhões de pessoas não tenham o acesso adequado a remédios para controlar a dor. Um dos motivos é o excesso de burocracia criado por governos receosos de que as drogas migrem para o mercado ilegal.
Questionado sobre o assunto, o Ministério da Saúde disse que, nos últimos três anos, aumentou em 43% o repasse de recursos para a compra de analgésicos usados em cuidados paliativos.
Os gastos com codeína, metadona e morfina subiram de R$ 2,3 milhões para R$ 3,6 milhões. Segundo o ministério, os protocolos clínicos e terapêuticos do controle da dor estão sendo atualizados.
A falta de transparência na relação entre o médico e o paciente também é outra situação comum. “O médico sempre deixa a última palavra para algum tipo de procedimento. Não coloca como alternativa que não há mais perspectiva”, diz Oliveira.
Ele aponta ainda dificuldades culturais. “A população, de todas as classes sociais, vê na ação médica alguma coisa salvadora. Não gostamos de falar da morte.”
Fonte: Folha de São Paulo