Iara Waitzberg Lewinski – NutriTotal
Estudo duplo-cego, aleatório e controlado, publicado no Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, concluiu que a glutamina adicionada à nutrição parenteral é capaz de diminuir significativamente as infecções hospitalares e melhorar os índices de funções orgânicas em pacientes após cirurgias cardíacas, vasculares e proctológicas.
Os pacientes selecionados tinham idade entre 18 e 80 anos. Todos foram admitidos na unidade de tratamento intensivo cirúrgico após cirurgia (necrose pancreática, bypass artério-coronário, válvula cardíaca, vascular não neurológica ou proctológica) e com requerimento de nutrição parenteral (NP) pelo mínimo de sete dias no pós-operatório.
O estudo teve como objetivo determinar a efetividade da administração de glutamina de acordo com o tipo de cirurgia. Por isso, os pacientes foram divididos em dois grupos: cirurgia em necrose pancreática e cirurgias não pancreáticas (cardíaca, vascular e proctológica). Em seguida, cada grupo foi aleatoriamente dividido em dois sub-grupos: o grupo controle, que recebeu NP padrão (NPPad) e o grupo experimental, que recebeu NP com adição de glutamina (NPGlu). A NPPad era composta de uma solução convencional de aminoácidos, administrada na quantidade de 1,5 g/kg/dia. Já os pacientes do grupo NPGlu receberam 0,5 g/kg/dia de glutamina adicionada a 1,0 g/kg/dia da mesma solução de aminoácidos do grupo controle, somando 1,5 g/kg/dia. Esta dose de glutamina foi determinada a partir de outros estudos que apresentaram resultados seguros.
A ingestão energética diária (em Kcal) era 1,3 x metabolismo basal (determinado pela equação de Harris-Benedict). Além da solução de aminoácidos, os pacientes também receberam lipídios e glicose na NP. Quando clinicamente indicado, os pacientes recebiam uma fórmula padrão polimérica de nutrição enteral (NE) sem adição de glutamina. A NP era diminuída proporcionalmente com o aumento da tolerância da NE, sempre mantendo os valores de calorias e proteínas estipulados. Se houvesse a necessidade de reinício da NP, o paciente recebia a formulação do seu grupo original (NPPad ou NPGlu). Segundo o protocolo do estudo, os pacientes receberam NP pelo tempo máximo de 21 dias. Caso necessitassem de NP por um período maior, passavam a receber a fórmula padrão (sem glutamina) e não faziam mais parte do estudo.
O experimento teve duração de cinco anos, com a participação de 59 pacientes: 32 com cirurgia em necrose pancreática (sendo 17 do grupo NPPad e 15 do grupo NPGlu) e 27 com cirurgias não pancreáticas (sendo 12 do grupo NPPad e 15 do grupo NPGlu). O número de pacientes em cada grupo, assim como suas características demográficas e clínicas, não representou significância estatística (resultados significativos quando p < 0,05).
A média do número de dias que os pacientes receberam NP foi similar entre os grupos (cirurgia em necrose pancreática, 15 ± 1 dias e cirurgias não pancreáticas, 12 ± 1 dias, p > 0,05). O número de dias de administração da NP, a quantidade de aminoácidos e calorias da NP e da NE também não foram estatisticamente diferentes entre os grupos NPPad e NPGlu. Porém, após uma semana de administração de NP, os níveis de glutamina plasmática aumentaram significativamente nos pacientes do grupo NPGlu e não mudaram no grupo NPPad.
A proporção de pacientes com infecção hospitalar adquirida antes do início do estudo era similar quando se comparou todos os pacientes dos grupos NPPad e NPGlu, de ambos os grupos cirúrgicos, assim como as infecções hospitalares adquiridas durante o acompanhamento. Quando se analisou somente os pacientes do grupo de cirurgias não pancreáticas que receberam NPGlu, observou-se diminuição das infecções hospitalares. Estes pacientes apresentaram três vezes menos infecções durante a hospitalização do que os pacientes do mesmo grupo cirúrgico que receberam NPPad (p = 0,03).
O número e porcentagem de pacientes da amostra de cirurgia em necrose pancreática que desenvolveu infecções hospitalares múltiplas (duas ou mais novas infecções), pneumonias e infecções sistêmicas atribuída a espécies de fungos ou bactérias foi semelhante entre os grupos NPPad e NPGlu. Entretanto, a administração de NPGlu nos pacientes do grupo de cirurgias não pancreáticas foi associada com uma diminuição significativa na porcentagem de desenvolvimento de infecções hospitalares múltiplas (NPPad, 67% vs NPGlu, 27%; p = 0,034), pneumonia (NPPad, 16 casos vs NPGlu, 6 casos; p < 0,05) e infecções sistêmicas (NPPad, 5 casos vs NPGlu, nenhum caso; p < 0,002).
O índice de mortalidade foi de 17% (5 mortes) entre os pacientes que receberam NPPad e de 3% (1 morte) entre os que receberam NPGlu (p > 0,05). Contudo, nenhuma morte aconteceu entre os pacientes que sofreram a cirurgia em necrose pancreática e a mortalidade foi reduzida em 35% na amostra que recebeu NPGlu das cirurgias não pancreáticas.
Em relação a este último grupo, os pacientes foram submetidos a menos dias de ventilação mecânica (NPGlu, 9 ± 2 dias vs NPPad, 21 ± 5 dias, p < 0,025), enquanto não houve diferença estatística entre os pacientes da cirurgia em necrose pancreática. “Provavelmente devido à redução de pneumonia neste grupo”, explicam os autores. Os pacientes de cirurgias não pancreáticas com NPGlu também demonstraram melhora dos índices da função hepática e renal em relação aos pacientes do mesmo grupo que receberam NPPad.
“Os pacientes com pancreatites graves normalmente apresentam baixos níveis de glutamina plasmática e muscular. Sendo assim, este grupo de pacientes se beneficiaria da suplementação com glutamina. Entretanto, os melhores benefícios foram encontrados nos pacientes que realizaram cirurgias não pancreáticas que, neste caso, apresentavam uma maior depleção de glutamina e estado de doença mais grave do que os de cirurgia em necrose pancreática, cujo foco de inflamação era removido com a operação”, afirmam os autores. “Os mecanismos por meio dos quais a glutamina pode ter diminuído os índices de infecções hospitalares em nosso estudo são incertos, mas podemos incluir efeitos sobre o número e funções das células imunes, melhora da função e manutenção da barreira da mucosa intestinal, efeitos protéico-anabólicos e/ou alta regulação de moléculas citoprotetoras, incluindo o antioxidante glutationa e proteínas específicas de choque térmico”, concluem.
Bibliografia
- Estívariz CF, et al. Efficacy of parenteral nutrition supplemented with glutamine dipeptide to decrease hospital infections in critically ill surgical patients. JPEN. 2008;32(4):389-402.