Gustavo Faleiros – O Eco
O presidente da Guiana, Bharrat Jadgeo, é um líder carísmático. Eleito por votação democrática em 1999, ele continua a vencer eleições e liderar esta antiga colônia britânica de 752 mil habitantes, cuja a pequena economia depende basicamente de exportações de commodities agrícolas e minerais. Embora muitos não saibam a localização da pequena Guiana no mapa, Jagdeo está se tornando famoso em todo mundo por apostar suas fichas em algo que pode soar pura utopia: florestas tropicais.
A Guiana acaba de se tornar o primeiro país a assinar um acordo de grande escala de compensação por desmatamento evitado. A Noruega se comprometeu, em tratado firmado no último dia 9 de novembro, em investir 250 milhões de dólares até 2015 para que a florestas guianenses sejam deixadas em pé
Na quarta-feira (18), Jagdeo esteve em Londres, em um evento promovido pela não-governamental Global Witness para explicar mais detalhes do acordo a um grupo de ambientalistas e jornalistas. O Eco estava entre os convidados e teve oportunidade de apresentar algumas questões ao presidente. Embora a notícia de um chefe de estado assumindo o compromisso de preservar florestas seja bastante auspiciosa, há entre ambientalistas grandes dúvidas sobre como isso poderá ser executado.
Em 2010, 30 milhões de dólares serão repassados pelo governo da Noruega à Guiana. O restante dos recursos só será entregue se o programa de preservação das florestas for bem sucedido. Por isso, disse Jagdeo, o principal esforço neste momento é criar uma metodologia de monitoramento das florestas que seja “tranparente e passível de auditorias.” “Não estamos falando de projetos pilotos que muitas vezes concentram boas práticas enquanto a floresta continua a ser destruída em outros países. Esse é um modelo de escala nacional”, enfatizou o presidente.
Ao contrario do vizinho Brasil, a Guiana é conhecida por suas baixas taxas de desmatamento; 85% do país ainda é recoberto por matas nativas, o equivalente a 18 milhões de hectares. Além do monitoramento, o principal desafio do governo guianense será criar um sistema financeiro que distribua recursos para populações indígenas e agricultores que hoje vivem e dependem da extração, ainda que pequena, de madeira, caça e outros bens da floresta.
Jagdeo deixou claro que há muito o que se decidir sobre como implementar a política de desmatamento evitado. No entanto , frisou que isso não deveria ser motivo de desconfiança.“Eu ouço muitos dizendo que é preciso compromisso de nossa parte para que de fato não haja desmatamento. Mas esse dinheiro que a Noruega está nos dando é apenas uma pequena parcela. Precisamos de maior comprometimento de outros países desenvolvidos. Vocês têm que entender que eu estou pedindo às pessoas da Guiana que abram mão de usar um recurso. Se isso falhar, haverá uma cobrança muito grande. Nós estamos assumindo esse risco”, disparou.
Desmatamento zero?
Embora falte definição sobre como o dinheiro doado pela Noruega será investido na Guiana, o que gera mais questionamento no tratado é a chamada linha de base. Isso quer dizer, a referência temporal que será usada para medir se o desmatamento está realmente diminuindo. Como as derrubadas no país são praticamente inexistentes, o que se fez na verdade foi uma projeção de quanto o desmatamento aumentaria e, se a destruição das florestas ficar abaixo desta projeção, o dinheiro norueguês será de fato repassado.
A conselheira senior do governo norueguês Marte Nordseth, presente no debate com o presidente Bharrat Jagdeo, explicou que esta posição levou em conta a tendência mundial de que para se desenvolver países criam um ciclo de desmatamento. “Observamos que a taxa de crescimento mundial de desmatamento é de 0,6% ao ano, e estabelemos que a Guiana terá como limite de desmate um aumento de 0,4%”, explicou, causando burburinho na sala cheia de ambientalistas.
A polêmica sobre qual o nível de desmatamento deve ser permitido é a mesma que há anos se desenrola nas negociações da ONU para criação do instrumento REDD. A sigla significa Redução por Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal e por trás dela existe a intenção de que diversos acordos como este assinado pela Guiana e a Noruega possam ser firmados para que florestas contribuam no combate ao aquecimento global. A dúvida é o que priorizar como níveis de referência: o desmatamento passado ou desmatamento futuro?
É provável que no caso da ONU, as duas opções sejam aceitas. O caso da Guiana representa pela primeira vez uma tentativa de fazer o desmatamento evitado: projeta-se um crescimento nas derrubadas e cria-se um limite inferior. O caso do Brasil é diferente. Como somos campeões mundiais do desmatamento, a política é ter compensação por desmatamento reduzido. Esse é o método, por exemplo, do Fundo Amazônia do governo Lula, financiado pela mesma Noruega. O dinheiro só é liberado quando o governo prova que houve redução efetiva do desmatamento em relação ao passado.
“Aceitar o desmatamento evitado é a única forma de incluir países com baixa taxa de desmatamento como o nosso no REDD. Do contrário apenas os vilões serão recompensados”, disse o presidente, em uma referência a países como o Brasil e Indonésia, que por anos ‘desenvolveram-se’ a custa de suas florestas tropicais.
A reportagem de O Eco relatou ao presidente Jagdeo que as ONGs no Brasil defendem que já seria possível ter em terras tupiniquins uma política de desmatamento zero. E perguntou a ele se, na Guiana, o desmatamento zero vai acontecer: “Por enquanto acho que não. Eu acabo de inaugurar uma estrada com o presidente Lula que liga nossos países, e eu não posso dizer que não vai haver pressão. Acho que no longo prazo alternativas podem surgir que levem a uma transformação”, concluiu.
Veja trecho de debate com o presidente Bharrat Jagdeo: