Cristiane Prizibisczki – O Eco

A adaptação às mudanças climáticas em países de todo mundo, principalmente os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, vítimas dos maiores impactos, ainda é colocada em segundo plano nas discussões internacionais do clima. Essa é a conclusão de um seleto grupo de pesquisadores, reunidos desde a manhã do dia 4 no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, interior de São Paulo. Esta é a primeira vez que os emergentes se unem para clarificar quais são as pesquisas que ainda precisam ser feitas e prioridades no tema de adaptação. Cerca de 30 nações estão representadas, entre elas Vietnã, Botsuana (África), Fiji (Oceania), Colômbia, Chile e Brasil.

Os pesquisadores reunidos no Inpe não discutem mais projeções do que as mudanças climáticas podem causar em seus países. Enchentes, aumento na ocorrência de fortes tempestades, desertificação, seca, inundações, aumento da temperatura, danos para a agricultura e aumento de doenças já fazem parte da realidade para eles.

Na Argentina, por exemplo, os verões da última década foram até 0.8ºC mais quentes. No Peru e no Chile, a precipitação entre 1970 e 2005 foi até 2,4 vezes maior do que os períodos anteriores. Para Cheikh MBow, pesquisador do Instituto de Ciências Ambientais da Universidade Cheikn Anta Diop, em Senegal, o encontro é a esperança de colaboração entre os países do hemisfério sul, para troca de orientações, informações científicas e para a tomada de decisões. “Isso faria a voz do sul ficar mais forte e ser ouvida nas grandes conferências. Se definirmos os pontos fortes a serem defendidos, já será uma grande conquista”, diz.

Até sexta-feira, dia  6, os pesquisadores discutiram temas chave sobre adaptação em países em desenvolvimento, como unificação de estudos locais já existentes, metodologia para desenvolvimento de pesquisas científicas, políticas públicas relevantes para o tema e potencial agenda futura para maior participação nos relatórios do IPCC.

Tema em segundo plano

Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Inpe, atualmente, 80% das discussões no âmbito das Nações Unidas referem-se à mitigação das mudanças climáticas e apenas 20% à adaptação. Mitigação são as ações para lidar com as causas do aquecimento do planeta, enquanto a adaptação são medidas para gerenciar os impactos que inevitavelmente ocorrerão. “Nessa altura do campeonato não há nenhuma dúvida de que a adaptação é mandatória, obrigatória. Devia ser 50 – 50. Precisamos tomar um certo cuidado para que mitigação não seja vista como um problema global, que exige uma solução global, e adaptação como um problema local, que exige solução local. Os dois problemas são globais e exigem soluções globais”, defendeu.

Este desbalanço na importância dada aos temas nas discussões internacionais é apenas uma das características do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC). De acordo com Vicente Barros, coordenador do Grupo II do Painel – no qual ocorrem os debates sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas -, nos dois últimos relatórios do órgão, apenas 30% dos pesquisadores responsáveis pela sua organização vinham de países em desenvolvimento. Entre os revisores dos documentos, essa porcentagem ficou em 15%. “Isso sem falar dos anteriores, que [a participação] é menor ainda”, disse.

Discussão em desenvolvimento

Os motivos que levam o IPCC a ainda dar mais importância a um tema, em detrimento de outros, fazem parte de um ciclo. A pouca representatividade é reflexo, assumem os cientistas, do ainda limitado número de acadêmicos produzindo pesquisas nos países em desenvolvimento, das limitações na literatura científica internacional e do pouco recurso destinado às investigações, além das dificuldades no idioma.

“Não consideramos literatura que não está nos jornais [de divulgação científica] e basicamente os que não estão em inglês. Algumas coisas podem ser feitas para mudar isso. Eu creio que, em parte, o que vai se discutir nesta reunião é isso, como fazer para que melhore as informações relacionadas à vulnerabilidade e adaptação nos países em desenvolvimento”, diz Vicente Barros, do IPCC.

Outra deficiência, aponta Graciela Magrin, do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (INTA), é a falta de integração entre as instituições que trabalham com mudanças climáticas nos países não desenvolvidos. “Temos poucas instituições trabalhando com o tema. Mesmo aquelas que estudam um mesmo assunto, na maioria das vezes não sabem uma das outras, não existe um trabalho conjunto e troca de informações”, explica.

Soluções

O encontro realizado no Inpe tem como objetivo justamente diminuir esta diferença de participação. A idéia, segundo Carlos Nobre, é desenvolver uma comunidade de cientistas na área de adaptação às mudanças climática voltada para os problemas dos países em desenvolvimento, identificar as grandes lacunas de conhecimento nesta área e motivar tal comunidade, junto com as de nações desenvolvidas, a começar a estudar a questão.

“Também esperamos que esta comunidade tenha um papel maior no IPCC nos próximos estudos e relatórios, que possa ter influencia para que essa área científica apareça com mais destaque nas avaliações e políticas, inclusive pra influenciar o próprio processo da convenção do clima na questão da adaptação”, defende Nobre.

Além disso, o IPCC já estuda o início da validação de resultados científicos de qualquer língua e que não necessariamente sejam validados por publicações científicas, desde que identificados como de boa qualidade.

Segundo Carlos Nobre, o encontro não pretende influenciar diretamente Copenhage, já que não há tempo hábil para que os pesquisadores “destilem” as discussões que serão feitas e produzam um documento. No entanto, vários dos presentes também estarão na Conferência Climática de Copenhague, que deve definir as novas metas para mitigação e adaptação, e a esperança é que, ainda que não da maneira como gostariam, o tema da adaptação ganhe mais destaque.

Organizado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e pelo Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IGBP), em parceria com o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CST) do Inpe, o encontro “Impactos, adaptação e vulnerabilidade: necessidade e prioridades de pesquisa nos países em desenvolvimento” ocorre até a próxima sexta-feira.