64406A perspectiva de aumento de quatro graus centígrados na temperatura média da Terra no prazo de 50 anos é alarmante, mas não alarmista, segundo cientistas especialistas em clima. Há apenas 18 meses, ninguém se atrevia a imaginar a humanidade elevando a temperatura em mais de dois graus centígrados, mas as crescentes emissões de carbono e a incapacidade política de acordar novas reduções levam a ciência a considerar o que antes era impensável.

“Os dois graus centígrados já ficaram para trás”, disse Chris West, do Programa Britânico de Impactos Climáticos da Universidade de Oxford. “Os quatro graus são, definitivamente, possíveis. Este é o maior desafio de nossa história”, acrescentou. Um aumento dessa magnitude significaria um mundo em que a temperatura aumentaria dois graus em algumas regiões e 12, ou mais, em outras, que se tornariam inabitáveis, segundo estudos apresentados há duas semanas na Conferência Internacional de Ciência Climática “Quatro Graus e Mais além”, realizada em Oxford.

Seria um mundo em que o nível do mar elevaria entre um e dois metros até 2100, o que deixaria sem lar centenas de milhões de pessoas, e 12 metros nos próximos séculos, na medida em que se dissolvessem as camadas de gelo da Groenlândia e do oceano Antártico ocidental. Quatro graus de aquecimento aumentariam a temperatura da Terra a níveis nunca antes alcançados nos últimos 30 milhões de anos. E isso aconteceria entre 2060 e 2070. “A realidade política deve aferrar-se à realidade física ou será completamente inútil”, disse na conferência John Schellnhuber, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisas sobre Impacto Climático.

Schellnhuber informou a funcionários do governo norte-americano os quais o advertiram que suas conclusões “não estão baseadas na realidade política” e que “o Senado nunca concordaria” com elas. O especialista calcula que os Estados Unidos deveriam reduzir a zero suas emissões de carbono das atuais 20 toneladas por habitante até 2020 se o que se deseja é ter, ao menos, a oportunidade de estabilizar o aumento da temperatura em torno dos dois graus centígrados. Com esse mesmo objetivo, as emissões da China deveriam chegar a um teto até 2020 e, em seguida, cair para zero até 2035, acrescentou.

Os representantes governamentais que acordaram na cúpula do Grupo dos 20 (realizada no mês passado em Pittsburgh- EUA) uma meta de aumento de dois graus centígrados “enganaram a si mesmos sobre as reduções de emissões que desejam”, afirmou Schellnhuber. Mesmo se a temperatura aumentar somente dois graus, se perderá a maioria dos arrecifes de coral, vastas áreas oceânicas se converterão em zona morta, será dissolvida grande parte dos glaciais montanhosos e outros ecossistemas estarão sob grave risco, acrescentou o especialista.

A Terra esquentou 0,74 graus centígrados no século passado, e a temperatura sobe atualmente a uma média de 0,16 graus, segundo informou em 2007 o Grupo Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Manter a tendência, depois de as emissões de 2008 situarem-se no pior dos cenários previstos, a temperatura média aumentaria entre quatro e 5,6 graus até 2090, disse, por sua vez, Richard Betts, da equipe pesquisadora sobre mudança climática do Centro Met Office Hadley, de Londres.

O Brasil, boa parte do Canadá, vastas áreas dos Estados Unidos, Libéria e Europa central estarão oito graus mais quentes do que nos últimos 50 anos. Também se prevê aumento das chuvas no hemisfério norte, enquanto os trópicos serão 20% mais secos, segundo os modelos computadorizados, baseados apenas nas emissões de origem humana, sem incluir a retroalimentação do fenômeno pelo derretimento de gelos ou mudanças nos seqüestradores de carbono.

Quando esses fatores são incluídos, o aumento de quatro graus na temperatura até 2060 “é um cenário plausível de pior expressão. Até 2100, o aumento poderia ser de 5,5 graus. Em poucas regiões haveria elevação de temperatura equivalente à média mundial, alertou Betts. No Ártico esquentaria 15 graus, e muitas outras áreas aumentariam 10 graus. E isso sem incluir nos modelos informatizados a liberação de 1,5 bilhão de carbono pelo derretimento dos gelos permanentes do norte ou de hidratos de carbono submarinos.

Entre um bilhão e dois bilhões de pessoas ficarão sem acesso à água doce devido à mudança nos padrões de chuva, disse Nigel Arnell, diretor do Instituto Walter para Pesquisa de Sistemas Climáticos, da Universidade de Reading (Grã-Bretanha). Até 15% das terras férteis do mundo e 40% das africanas, ficarão muito secas ou muito quentes para produzir alimentos. E haverá temperaturas benéficas para a agricultura em áreas como Canadá e Rússia, mas, geralmente, onde os solos não são adequados, acrescentou Betts. Tolerar um aumento de quatro graus centígrados na temperatura média da Terra “é inaceitável”, devido aos alarmantes impactos, alertou Chris West.

A Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática que acontecerá em dezembro em Copenhague precisa aceitar que as emissões de carbono devem, finalmente, acabar por completo, pois não existe um nível de emissões sustentável, concluiu Myles Allen, do grupo de Dinâmica Climática da Universidade de Oxford.