Grupo de cientistas estipula nove fronteiras no sistema terrestre que os seres humanos não poderiam ultrapassar para o seu próprio bem, porém três delas já ficaram para trás, colocando em risco a capacidade da Terra de regular a si mesma.
Quanta pressão o planeta ainda pode suportar antes que comece a entrar em colapso? Foi com esta pergunta em mente que um grupo de 29 pesquisadores de diversas partes do mundo resolveu procurar por “fronteiras” no sistema terrestre que deveriam ser respeitadas para se evitar grandes catástrofes ambientais e climáticas.
A resposta veio com o trabalho “A safe operating space for humanity” (algo como “Um espaço operacional seguro para a humanidade”) publicado na edição de 23 de setembro da revista Nature.
Nele, os cientistas propuseram nove elementos que são fundamentais para as condições de vida na Terra: mudanças climáticas; acidificação dos oceanos; interferência nos ciclos globais de nitrogênio e de fósforo; uso de água potável; alterações no uso do solo; carga de aerossóis atmosféricos; poluição química; e a taxa de perda da biodiversidade, tanto terrestre como marinha.
“Os limites planetários seriam processos que influenciam a habilidade do planeta de se manter em um estado desejável para dar apoio ao desenvolvimento humano. Depois de identificar alguns desses processos, nós sugerimos os pontos de exploração máximos de cada um, mantendo uma margem segura para as conseqüências mais desastrosas”, explicou o líder do estudo, Johan Rockstrom, da Universidade de Estocolmo.
Ao analisar cada um desses limites, o grupo chegou à conclusão que as atividades humanas já ultrapassaram os limites adequados para três delas: mudanças climáticas, biodiversidade e concentração de nitrogênio na atmosfera.
No caso da biodiversidade, por exemplo, este limite seria menos de 10 extinções para cada um milhão de espécies por ano, porém hoje o registro é de mais de 100 extinções.
Segundo os pesquisadores, ultrapassar essas fronteiras não resulta em desastres imediatos, já que elas foram estabelecidos com alguma margem de segurança. “Entretanto, se continuarmos nesse caminho veremos efeitos como a desestabilização das calotas polares, a formação de grandes áreas sem vida, mudanças nas monções africanas e indianas e inclusive a transformação da Amazônia em uma enorme savana”, declarou Rockstrom.
Os autores, no entanto, ressaltam que o estudo não é um mapa completo para o desenvolvimento sustentável, mas que ele fornece elementos importantes para a identificação dos limites críticos do planeta.
“Nós estamos propondo essas noções para que sejam discutidas pela comunidade cientifica. Esperamos que o debate ao redor do aquecimento global se amplie, porque não são apenas os gases do efeito estufa que ameaçam o equilíbrio do planeta. Existem muitos outros sistemas, que interagem entre si, então ultrapassar uma fronteira pode resultar na desestabilização de todas”, afirmou um dos co-autores, Sander van der Leeuw, da Universidade do Arizona.
Outro co-autor, Will Steffen, da Universidade Nacional da Austrália, explica que a humanidade está começando a forçar o planeta para fora do estável período do Holoceno, que teve início há 10 mil anos e no qual a agricultura e a sociedade complexa floresceram. “A expansão dos seres humanos pode agora enfraquecer a resiliência do Holoceno, que sem a nossa interferência continuaria por mais milhares de anos.”
“Nós estamos entrando agora no ‘Antropoceno’, uma nova era geológica na qual nossas atividades estão ameaçando a capacidade da Terra de regular a si mesma”, afirmou Steffen.
Controvérsia
Sete críticos independentes convidados pela revista Nature para analisar o estudo, concluíram que, de uma forma geral, os números apresentados não são um consenso ou muito menos fatos comprovados. Porém, eles consideram a idéia de limites inovadora e dizem que pode ajudar as pessoas a verem melhor os problemas ambientais e climáticos como um todo.
Por exemplo, o presidente do Instituto Cary de Estudos de Ecossistemas, William Schlesinger, questionou o limite do nitrogênio, que teria sido traçado de uma forma arbitrária.
Já Steve Bass, do Instituto Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento, afirmou que o limite de solo reservado para a agricultura, que de acordo com a pesquisa deve ser de 15%, pode facilmente também ser estabelecido em 10% ou 20%, dependendo do ponto de vista.
As formas escolhidas para mensurar os limites também foram questionadas. Para a climatologista da Universidade de Oxford Myles Allen, as emissões de CO2 deveriam ter sido contadas de forma diferente. Por sua vez, o diretor do Museu de História Natural dos Estados Unidos, Cristian Samper, afirmou que a perda de famílias taxonômicas é muito mais relevante que a perda de espécies.
Peter Brewer, do Instituto de Pesquisas do Aquário da Baia de Monterey, nos EUA, questionou a relevância deste tipo de trabalho. “É realmente útil criar uma lista de limites ambientais sem sugerir planos para como se manter dentro deles? Sem o reconhecimento do que seria necessário econômica e politicamente para evitarmos ultrapassar essas fronteiras, este estudo pode apenas servir como mais um instrumento para assustar a sociedade.”
Os autores do estudo concordaram que não respondem como manter a humanidade dentro dos limites e isto é um ponto insatisfatório do trabalho. Porém reforçam a importância em chamar a atenção para questões que vão além da tão falada emissão de gases do efeito estufa.
“A questão é reconhecer o problema por completo e, então, introduzir medidas políticas que façam da comunidade internacional a guardiã desses limites. Não podemos focar apenas nas mudanças climáticas, precisamos de ações para os oceanos, biodiversidade, recursos naturais etc”, conclui Rockstrom.
FONTE: Fabiano Ávila, do CarbonoBrasil