Artigo,
Por José Pacheco
Aos cínicos (que ainda encontro por aí…) direi que, onde houver turmas de alunos enfileirados em salas-celas, não haverá inclusão. Onde houver séries de aulas assentes na crença de ser possível ensinar a todos como se de um só se tratasse, não haverá inclusão.Nunca será demais voltar ao assunto, para lembrar que, apesar da teoria ser contra ela, a realidade diz- nos que, desde há séculos, tudo está escrito e tudo continua por concretizar. Nunca será de mais falar de inclusão. Nunca será de mais lembrar que os projetos humanos carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar, conviver com a diversidade.
A chamada educação inclusiva não surgiu por acaso, nem é missão exclusiva da escola. É um produto histórico de uma época e de realidades educacionais contemporâneas, uma época que requer que abandonemos muitos dos nossos estereótipos e preconceitos, que exige que se transforme a “escola estatal” em escola pública – uma escola que a todos acolha e a cada qual dê oportunidades de ser e de aprender.
Os obstáculos que uma escola encontra, quando aspira a práticas de inclusão, são problemas de relação. As escolas carecem de espaços de convivencialidade reflexiva, de procurar compreender que pessoas são aquelas com quem partilhamos os dias, quais são as suas necessidades (educativas e outras), cuidar da pessoa do professor, para que se veja na dignidade de pessoa humana e veja outros educadores como pessoas. Sempre que um professor se assume individualmente responsável pelos atos do seu coletivo, reelabora a sua cultura pessoal e profissional… “inclui-se”. Como não se transmite aquilo que se diz, e sim aquilo que se é, os professores inclusos numa equipe com um projeto promovem a inclusão.
Aos adeptos do pensamento único (que ainda encontro por aí…) direi que é preciso saber fazer silêncio “escutatório”, fundamento do reconhecimento do outro. Que precisamos rever a nossa necessidade, de não desejar que o outro seja conforme nossa a imagem, mas respeitá-lo numa perspectiva não narcísica, ou seja, aquela que respeita o outro, o não-eu, o diferente de mim, aquela que não quer catequizar ninguém, que defende a liberdade de ideias e crenças, como nos avisaria Freud. Isso também é caminho para a inclusão.
Aos cínicos (que ainda encontro por aí…) direi que, onde houver turmas de alunos enfileirados em salas-celas, não haverá inclusão. Onde houver séries de aulas assentes na crença de ser possível ensinar a todos como se de um só se tratasse, não haverá inclusão. Direi que, enquanto o professor estiver sozinho, não haverá inclusão.
Insisto na necessidade da metamorfose do professor, que deve sair de si (necessidade de se conhecer); sair da sala de aula (necessidade de reconhecer o outro); sair da escola (necessidade de compreender o mundo). O ethos organizacional de uma escola depende da sua inserção social, de relações de proximidade com outros atores sociais.
Também é requisito de inclusão o reconhecimento da imprevisibilidade de que se reveste todo o ato educativo. Enquanto ato de relação, ele é único, irrepetível, impossível de prever (de planear) e é de um para um (questionando abstrações como “turma” ou “grupo homogêneo”), nas dimensões cognitiva, afetiva, emocional, física, moral… As escolas que reconhecem tais requisitos estarão a caminho da inclusão.
Na solidão do professor em sala de aula não há inclusão. Nem do aluno, metade do dia enfileirado, vigiado, impedido de dialogar com o colega do lado, e a outra metade, frente a um televisor, a uma tela de computador ou de tele móvel… Sozinho. A inclusão depende da solidariedade exercida em equipes educativas. Um projeto de inclusão é um ato coletivo e só tem sentido no quadro de um projeto local de desenvolvimento consubstanciado numa lógica comunitária, algo que pressupõe uma profunda transformação cultural.