“Os concumidores dizem o que pensam, mas fazem o que sentem”, afirma Jaime Troiano, autor do livro As Marcas no Divã, onde analisa a questão sob diversos ângulos. O autor declara que não existe nada mais irreal do que imaginar um consumidor, uma pessoa, movida por dinâmicas conscientes e planejatas matematicamente. “Consumidores agem a partir de tramas pouco conscientes para eles mesmos, motivados por desejos muitas vezes nebulosos, movidos por impulsos que não são frutos de planejamentos calculados. E muitas vezes se escondem atrás de álibis e frases politicamente corretas”, explica e completa: “ai de nós, profissionais, se cairmos ingenuamente nessas armadilhas!”
De acordo com Troiano, os antigos modelos de comportarmento de consumo são construídos a partir de uma sequencia de etapas lógicas (conhecimento acerca do produto, envolvimento com o produto, preferência e compra) e não resistem mais às observações realizadas atualmente sobre o mercado. Um fato que derruba a existência desse mito foi a constatação da inexistência do “homo economicus”, um ser cujo comportamento seria determinado por interesses próprios e capas de tomar decisões racionalmente. Além disso, é possível citar o Princípio de Heisenberb (1927), que mostra que a existência de imprecisão em um terreno como a física, onde algumas certezas matemáticas tiveram que ser revistas.
Por estas razões conceituais e outras tantas de natureza empírica, que o autor defende a necessidade de abandonar qualquer expectativas em relação a identificar os consumidores com um exercito robotizado de pessoas que se orientam racionalmente. Assim como seria uma ilusão acadêmica negar o quanto pesa o puro impulso nas decisões de consumo.
Portanto, contra este tipo de visão, Troiano sugere alguns indicadores de que o consumidor é muito mais complexo e menos previsível do que afirmam os defensores da lógica do comportamento de compra.
Consumidor: Como eu pude viver até hoje sem isso?
Jaime Troiano: Dezenas ou centenas de vezes já ouvimos de consumidores, de diferentes grupos sociais e idades essa mesma pergunta. Quando isso acontece? Quando o processo de compra é anterior a qualquer decisão, consciente ou não, sobre a necessidade do bem adquirido. Nessas circunstâncias aquela frase é repetida ad nauseam. O impulso antecedeu a qualquer planejamento, a qualquer lampejo de racionalidade.
C: Pegue um Danoninho e depois você come direito
JT: Ouvi essa frase da boca da Carla, mãe do Thiago. Aconteceu durante uma longa vivência etnográfica na residência deles. Mais ou menos às cinco da tarde de uma terça-feira, eu conversava com a Carla sobre aspectos gerais de sua história de vida. Ao mesmo tempo, o Thiago, 6 anos, nos rondava dizendo para a mãe que estava com fome. Como a Carla insistia com o garoto que ele deveria esperar pelo jantar para comer direito, mas isso não surtiu efeito, ela cedeu ao impulso apaziguador: “Vai lá na geladeira e pegue um Danoninho, tá?” — Eu conto isso com mais detalhes em meu livro, mas esse resumo é suficiente para o que eu preciso agora. Contra a racionalidade da dieta bem organizada e na hora certa, mães como Carla, cedem à pressão e à chantagem de filhos como o Thiago e fazem o que sua lógica materna não teria planejado. Imaginem quantos milhões de episódios pouco racionais (!) como esse devem ser encenados nos lares todos os dias?
C: Com vinte centavos a menos no óleo de soja eu levo uma Trakinas
JT: Esse exemplo vocês podem multiplicar por uma potência de dez porque eu mesmo já presenciei muitos. Basta ligar a “antena” em pontos de venda e fazer um pouco o papel de voyeur social. Em observações diretas de comportamento de compra com o público de classes menos favorecidas, isso vive acontecendo. Os pais olharam para prateleira de óleo de soja e decidiram fazer um downgrade na compra do produto. Escolheram um frasco de óleo 20 centavos mais barato do que o preferido e comentaram entre si: “Agora, podemos comprar uma Trakinas para o filhote”. — É uma frase tão pungente quanto irracional: o pacote do biscoito custava aproximadamente R$ 1,40. Ou seja, sete vezes a economia feita no óleo de soja. Diante disso, os defensores do conceito de “homo economicus” certamente entrariam em surto. Esse é mais um caso em que a racionalidade foi completamente substituída por sentimentos de outra natureza, e que operam em outra parte do corpo, mais cardíaca, especificamente, entre o cérebro e o bolso.
C: Tinha 30 pares de sapato, mas precisava de um marrom-café de salto baixo aberto na frente
JT: A analista de nossa empresa que conviveu com a Mariana por várias horas ouviu essa pérola. Não houve como entender qual o princípio de racionalidade ou de lógica que pudesse explicar essa decisão de compra. Por uma simples razão: porque não havia substância lógica e conteúdo racional nesse impulso. Mas a resposta se revelou quando a Mariana voltou do seu closet calçando o marrom-café de salto baixo aberto na frente. O enorme sorriso que ela abriu e o “tá vendo como eu precisava mesmo?” foram matadores! Como se os outros 30 pares tivessem deixado de existir.
Por fim, o autor conclui que as pessoas são traídas por seus desejos. A tentativa de construir uma suposta matemática do impulso é uma racionalidade inconsequente. Certamente, é muito difício para os profissionais de marketing operar em um ambiente de imprevisibilidade, mais surpreendente e menos sujeito a regras controladas, mas não há solução senão aprender a lidar com a imprevisibilidade.