Consumir é uma parte indissociável da vida. O reino mineral alimenta o reino vegetal, que por sua vez alimenta os reinos animal e humano. Durante muito tempo, fomos capazes de consumir sem provocar grandes impactos na natureza. Então como, em menos de dois séculos, nosso consumo passou de natural a nocivo?
A sociedade do consumo, caracterizada pelo desejo de adquirir mais do que precisamos, teve sua lógica originada a partir da Revolução Industrial, acelerando-se após a segunda metade do século XX. Nesse momento, observa-se uma revolução da maneira de se fazer o comércio, com a introdução do marketing e de estratégias de segmentação de mercado. A atividade de consumo deixa ser apenas uma atividade econômica para se tornar um campo de criação de significados.
O conceito de progresso se transforma em melhores condições materiais de vida, bem como a felicidade passa a ser associada a uma rotina confortável, fruto da aquisição de bens de consumo. Dessa forma, como podemos nos negar ao bem estar cada vez mais ao alcance do cartão de crédito? A busca pela felicidade passou a ser a busca por mais dinheiro, por mais crédito, por mais status. Ter conforto não é mais suficiente; é preciso ter a melhor TV, o carro novo, o celular moderno.
Se antes a aquisição de bens de consumo devia atender às necessidades das pessoas, o que observamos hoje é o consumo pelo consumo. Um desejo atendido gera outro quase que imediatamente, tornando o ato consumista a razão final para o consumo. Basta avaliar a facilidade com a qual trocamos itens perfeitamente funcionais por outros usando as mais diversas justificativas.
Ou como é forte o impulso para comprar itens dispensáveis, ou que serão pouco usados, como os tais multiprocessadores com um milhão de funções. Não é o atendimento ao desejo ou à necessidade; é a busca pela sensação de bem estar proporcionada pelo ato de consumir. Vale a pena dar uma lida no artigo “Marketing e neurociência: um casamento perfeito?”, que publiquei aqui mesmo alguns meses atrás.
Como diferenciar consumo de consumismo
O dicionário Michaelis esclarece consumismo como “situação própria de países altamente industrializados, caracterizada pela produção e consumo ilimitados de bens duráveis, sobretudo artigos supérfluos”. Já em outros artigos que procuram definir consumismo, encontramos também palavras como excedente e luxo, confirmando esse comportamento como o uso de muito mais do que se necessita para viver.
De forma a diferenciar o ato de consumir do nocivo comportamento consumista é preciso refletir sobre o que se deseja obter em cada ato de consumo. Para exemplificar, imagine que alguém quer comprar um automóvel. A necessidade que precisa ser atendida é conseguir chegar ao trabalho no horário e voltar mais cedo para casa. A partir desse raciocínio, qualquer veículo serve.
Um automóvel popular resolveria o problema. Preço adequado à renda, IPVA mais em conta, seguro razoável e motor econômico. Ótima opção para atender a necessidade, certo? Mas então porque acontece de se optar por modelos mais dispendiosos, acima da renda, e que até inviabilizam outras conquistas? A resposta está no apelo consumista pelo supérfluo, o excesso, o luxo, o “você merece”.
Claro, tem a questão do conforto, mas acho que entenderam o ponto principal do artigo: o consumismo pode nos fazer crer que tudo é ilimitado. Mas, como o consumo de bens duráveis pode ser ilimitado se os recursos existentes para produzi-los são escassos? Assim, os limites existem e é a nossa maneira de lidar com eles que determina se agimos como consumidores ou consumistas.
Referências e leituras complementares:
- RETONDAR, Anderson Moebus. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades.
- FONTENELLE, Isleide A.. Os paradoxos do consumo.
Fonte: Elaine Costa – Dinheirama